8 de dezembro de 2016

Daniel Matador - Foi no coração



“A certa altura ele sugeriu que todas as emoções e os pensamentos humanos não provinham do coração, mas sim daquelas curvas moles e amorfas que constituem o cérebro. Menciono essa afirmação ingênua apenas para demonstrar como até mesmo um homem inteligente e culto pode cometer graves erros.
Ninguém que já tenha examinado o coração, esse poderoso órgão que pulsa com vida própria no centro do corpo, alimentado por grandes rios de sangue e protegido pelas paliçadas de ossos, pode duvidar de que seja ele a fonte da qual vertem todos os pensamentos e emoções.
O coração utiliza o sangue para disseminar essas emoções pelo corpo. Você já sentiu seu coração agitar-se e acelerar diante de uma música maravilhosa, um rosto encantador ou as belas palavras de um discurso eloquente? E já sentiu alguma coisa saltar dentro de sua cabeça? Mesmo o sábio oriental teve de capitular diante de minha estrita lógica. Nenhum homem racional pode acreditar que uma massa exangue e leitosa, inerte e enovelada em seu recipiente ósseo, possa gerar os versos de um poema ou o desenho de uma pirâmide, possa fazer um homem amar ou empreender a guerra.”

Taita, o médico do faraó, na espetacular obra O Último Deus do Nilo, de Wilbur Smith, explicando aos incautos que é o coração que comanda tudo, e não o cérebro.



O capitão Maicon ergueu a taça do pentacampeonato da Copa do Brasil na Arena. (Foto: Lucas Uebel)
Caros
O Grêmio é pentacampeão. O maior campeão da história da Copa do Brasil. O Rei de Copas. Ninguém venceu tanto. Mas, para chegar a esta conquista, o tricolor teve de fazer uma escolha e uma renúncia. No ano passado, o presidente Romildo Bolzan trouxe o técnico Roger, um iniciante na função com passado vencedor como jogador do clube. E ele deu ao Grêmio algo que o clube precisava: cérebro. O Grêmio de Roger sempre foi cerebral. Dava toques. Compunha funções. Montava táticas.
Deu muito certo durante um tempo. O futebol cerebral, de toque de bola, fez jogos memoráveis e deixou boquiaberta a crítica e até mesmo a torcida dos times rivais. Era quase consenso que o modelo, uma versão tupiniquim do Barcelona, deveria ser perseguido por todos como sinônimo de bom futebol. As conquistas seriam líquidas e certas, apenas o fatal resultado de um futebol pragmático e bem jogado.
Ah, mas o futebol, ele é uma caixinha de surpresas! Os deuses do futebol são marotos. Eles são levados pela paixão e é ela que move o esporte mais visceral do mundo. O Grêmio tinha cérebro. Mas faltava coração. E o cérebro, sem coração, uma hora acaba definhando. Ninguém aguenta passar a vida toda envolto apenas com as coisas do cérebro. O coração precisa ter seu lugar também. E, quando o cérebro estava dando sinais de estafa, o tricolor buscou o coração. E buscou no lugar onde ele sempre esteve.
O Grêmio trouxe Portaluppi. Renato não participa de seminários sobre futebol em universidades. Renato não dá palestras sobre análise tática. Renato não vai fazer estágio na Europa. Roger era cérebro. Portaluppi é coração. E, por ser coração, teve a perspicápia de não desfazer-se daquilo que o cérebro já havia produzido de bom. Mas deu seu toque pessoal na mistura. E o resultado de tudo isso só podia ser um: a volta do campeão.
Renato é o coração do Grêmio. (Foto: Lucas Uebel)

Foi o coração que fez Grohe passar de vilão a herói em uma improvável classificação nos pênaltis. Foi o coração que Ramiro usou para pegar uma bola na veia e abrir o placar com um golaço contra o campeão brasileiro Palmeiras. Foi o coração que fez Everton Cebolinha dar a classificação contra o mesmo Palmeiras em sua própria casa. Lembram que o time cerebral não costumava reverter placares adversos? Novamente, foi o coração que fez Luan encerrar um jejum de gols e marcar um tento antológico no Mineirão. Foi o  coração que permitiu ao pândego Douglas sacramentar a vitória que garantiu a passagem para as finais. Ninguém duvida que foi o coração que permitiu ao execrado Pedro Rocha fazer a maior partida de sua vida e anotar dois golaços na casa do Galo. Este mesmo coração fez Geromel virar ponteiro direito e cruzar uma bola para Everton calar novamente o Mineirão. E ninguém nega que foi este mesmo coração o responsável por Bolaños, que tanto sofreu nesta temporada, ter sido posto em campo para marcar o gol que garantiu o título e fez explodir a torcida presente na Arena.
Aprendam, crianças: isso que estamos vivenciando é a ordem natural das coisas. O tricolor vence. O tricolor ergue taça. O tricolor dá volta olímpica. Sabem por que a Goethe é o lugar das comemorações? Porque ali ficava a Baixada, nosso primeiro estádio. E aí, erradamente, uma galerinha também resolveu comemorar nas imediações quando finalmente ganharam alguma coisa. Saiam da Goethe! Ali não é o lugar de vocês! Aquele território é tricolor! E nós o retomamos no dia de hoje. O que ocorreu nos últimos anos foi um período onde os deuses do futebol hibernaram e permitiram que apenas o cérebro atuasse. Mas agora o coração está de volta. O pentacampeonato gremista foi no coração. Comemore, torcedor do Grêmio! O Rei de Copas está de volta!
Saudações Imortais