“A certa altura ele sugeriu que todas as emoções e os
pensamentos humanos não provinham do coração, mas sim daquelas curvas moles e
amorfas que constituem o cérebro. Menciono essa afirmação ingênua apenas para
demonstrar como até mesmo um homem inteligente e culto pode cometer graves
erros.
Ninguém que já tenha examinado o coração, esse
poderoso órgão que pulsa com vida própria no centro do corpo, alimentado por
grandes rios de sangue e protegido pelas paliçadas de ossos, pode duvidar de
que seja ele a fonte da qual vertem todos os pensamentos e emoções.
O coração utiliza o sangue para disseminar essas
emoções pelo corpo. Você já sentiu seu coração agitar-se e acelerar diante de
uma música maravilhosa, um rosto encantador ou as belas palavras de um discurso
eloquente? E já sentiu alguma coisa saltar dentro de sua cabeça? Mesmo o sábio
oriental teve de capitular diante de minha estrita lógica. Nenhum homem
racional pode acreditar que uma massa exangue e leitosa, inerte e enovelada em
seu recipiente ósseo, possa gerar os versos de um poema ou o desenho de uma
pirâmide, possa fazer um homem amar ou empreender a guerra.”
Taita, o médico do faraó, na espetacular obra O
Último Deus do Nilo, de Wilbur Smith, explicando aos incautos que é o coração que comanda tudo, e não o cérebro.
O capitão Maicon ergueu a taça do pentacampeonato da Copa do Brasil na Arena. (Foto: Lucas Uebel) |
Caros
O Grêmio é
pentacampeão. O maior campeão da história da Copa do Brasil. O Rei de Copas.
Ninguém venceu tanto. Mas, para chegar a esta conquista, o tricolor teve de
fazer uma escolha e uma renúncia. No ano passado, o presidente Romildo Bolzan trouxe
o técnico Roger, um iniciante na função com passado vencedor como jogador do
clube. E ele deu ao Grêmio algo que o clube precisava: cérebro. O Grêmio de
Roger sempre foi cerebral. Dava toques. Compunha funções. Montava táticas.
Deu muito
certo durante um tempo. O futebol cerebral, de toque de bola, fez jogos
memoráveis e deixou boquiaberta a crítica e até mesmo a torcida dos times
rivais. Era quase consenso que o modelo, uma versão tupiniquim do Barcelona,
deveria ser perseguido por todos como sinônimo de bom futebol. As conquistas
seriam líquidas e certas, apenas o fatal resultado de um futebol pragmático e
bem jogado.
Ah, mas o
futebol, ele é uma caixinha de surpresas! Os deuses do futebol são marotos.
Eles são levados pela paixão e é ela que move o esporte mais visceral do mundo.
O Grêmio tinha cérebro. Mas faltava coração. E o cérebro, sem coração, uma hora
acaba definhando. Ninguém aguenta passar a vida toda envolto apenas com as
coisas do cérebro. O coração precisa ter seu lugar também. E, quando o cérebro
estava dando sinais de estafa, o tricolor buscou o coração. E buscou no lugar
onde ele sempre esteve.
O Grêmio
trouxe Portaluppi. Renato não participa de seminários sobre futebol em
universidades. Renato não dá palestras sobre análise tática. Renato não vai
fazer estágio na Europa. Roger era cérebro. Portaluppi é coração. E, por ser
coração, teve a perspicápia de não desfazer-se daquilo que o cérebro já havia
produzido de bom. Mas deu seu toque pessoal na mistura. E o resultado de tudo
isso só podia ser um: a volta do campeão.
Renato é o coração do Grêmio. (Foto: Lucas Uebel) |
Foi o coração que fez Grohe
passar de vilão a herói em uma improvável classificação nos pênaltis. Foi o
coração que Ramiro usou para pegar uma bola na veia e abrir o placar com um
golaço contra o campeão brasileiro Palmeiras. Foi o coração que fez Everton
Cebolinha dar a classificação contra o mesmo Palmeiras em sua própria casa.
Lembram que o time cerebral não costumava reverter placares adversos?
Novamente, foi o coração que fez Luan encerrar um jejum de gols e marcar um
tento antológico no Mineirão. Foi o
coração que permitiu ao pândego Douglas sacramentar a vitória que
garantiu a passagem para as finais. Ninguém duvida que foi o coração que permitiu
ao execrado Pedro Rocha fazer a maior partida de sua vida e anotar dois golaços
na casa do Galo. Este mesmo coração fez Geromel virar ponteiro direito e cruzar
uma bola para Everton calar novamente o Mineirão. E ninguém nega que foi este
mesmo coração o responsável por Bolaños, que tanto sofreu nesta temporada, ter
sido posto em campo para marcar o gol que garantiu o título e fez explodir a torcida presente na Arena.
Aprendam,
crianças: isso que estamos vivenciando é a ordem natural das coisas. O tricolor
vence. O tricolor ergue taça. O tricolor dá volta olímpica. Sabem por que a Goethe é o lugar das comemorações? Porque ali ficava a Baixada, nosso primeiro estádio. E aí, erradamente, uma galerinha também resolveu comemorar nas imediações quando finalmente ganharam alguma coisa. Saiam da Goethe! Ali não é o lugar de vocês! Aquele território é tricolor! E nós o retomamos no dia de hoje. O que ocorreu nos
últimos anos foi um período onde os deuses do futebol hibernaram e permitiram
que apenas o cérebro atuasse. Mas agora o coração está de volta. O
pentacampeonato gremista foi no coração. Comemore, torcedor do Grêmio! O Rei de
Copas está de volta!
Saudações
Imortais