É dezembro de 2003. O céu está acinzentado e o dia nebuloso. Chove em Porto Alegre. Nem parece que o verão está se aproximando. É jogo decisivo e o Estádio Olímpico recebe um grande público. No ano em que completa 100 anos, o Grêmio passa por uma temporada turbulenta, dono de uma campanha irregular, e chega na última rodada do Campeonato Brasileiro precisando da vitória diante do Corinthians, a fim de se livrar do rebaixamento.
É neste cenário de decisão atípica para o Grêmio que piso pela primeira vez em um estádio de futebol. Moro em Soledade, no interior do Rio Grande do Sul, tenho 6 anos recém completados e meu pai insiste em viajar à capital para me levar para a cancha. Quer que seu filho siga seus passos, seja um torcedor apaixonado, um frequentador de arquibancada, um amante do futebol.
De pênalti, George Lucas faz o primeiro. O goleiro defende, a bola toca a trave e no rebote ele coloca pra dentro. Após bela enfiada, Bruno invade a área adversária e marca o segundo. Numa cobrança de falta perfeita, na gaveta do canto do goleiro, Ânderson Lima fecha o placar. Vitória do time tricolor, 3 a 0. O Grêmio se salva da zona da degola.
Nessa época, eu ainda não tenho noção do que significa essa vitória. Só sei que devo torcer para que os jogadores do time de azul, preto e branco chutem a bola para dentro da goleira do time de branco. Eu jamais poderia imaginar que ali, naquele chuvoso dia de dezembro, começa a minha história de amor pelo Grêmio.
É 2004 e começo a deixar os desenhos animados, os carrinhos da Hot Wheels, as brincadeiras na rua e os amigos de escola em segundo plano. Agora, tenho como prioridade assistir à partidas de futebol e, principalmente, aos jogos do meu time. Porém, para minha decepção, embora sem muito compreender o que está acontecendo, o Grêmio termina o campeonato nacional na última colocação e está rebaixado para a segunda divisão.
É 2005 e estou me apegando cada vez mais ao meu clube. Durante os jogos, muitos deles ouvidos no rádio, vou tirando dúvidas das regras de futebol com o meu pai; recém alfabetizado, leio os jornais em busca de novas informações. Tenho acesso restrito à internet, mas no tempo em que posso ficar no computador, só quero saber de futebol, do passado do meu time, dos jogadores antigos e do elenco atual. Estou encantando com esse novo mundo.
Isso aflora com maior intensidade em novembro de 2005, no exato momento em que, após ver meu time ter quatro jogadores expulsos e dois pênaltis contra, Anderson irrompe a grande área adversária e toca na saída do goleiro. Eu corro pela casa, grito descontroladamente, caio em lágrimas, abraço meu pai e presencio o primeiro título do meu clube. Definitivamente, sinto que estou apaixonado por isso.
Agora tenho 10 anos. É junho de 2007 e mais um dia ensolarado de inverno nasce. Pela manhã, meu pai passa me pegar na escola mais cedo, pois vamos a Porto Alegre ver o Grêmio. Desta vez, podemos voltar para Soledade comemorando um título de expressão. É a primeira vez que vejo o Grêmio disputar uma final de Copa. Temos de reverter uma vantagem enorme do Boca Juniors, conquistada na La Bombonera.
Das arquibancadas geladas do Olímpico, vemos Riquelme destruir com o jogo e levantar o caneco na nossa frente. Confesso que é a maior decepção da minha vida. Eu não paro de chorar. Não tenho vergonha de dizer isso. Entro em desgraça, tristeza completa. Então, olho para meu pai e vejo ali um homem tranquilo. Ele não está lamentando. Não entendo por quê. Ora, ele tem de estar bravo, nós acabamos de perder um título importante, na nossa casa, diante da nossa torcida! “Tá tudo bem, filho”, ele me consola, “não foi desta vez, mas na próxima seremos campeões”. Que homem sem coração o meu pai, eu penso. Por que está me confortando? Por que não está triste como eu? Por que não está chorando como eu? Por que não sente o mesmo que eu?
É maio de 2010. Eu e meu pai estamos presentes no Olímpico quando vemos Victor levantar a taça do título gaúcho sobre o Inter. Mas eu estou inquieto. Feliz pela conquista, mas inquieto. Inquieto porque quero mais do que um título estadual. E mereço mais do que isso, afinal, desde que me apaixonei pelo Grêmio, não só vi muitas derrotas do meu clube, como também presenciei o meu maior rival se sagrar bicampeão da América e campeão do Mundo. Foram tempos difíceis os que eu passei.
Hoje é novembro de 2016. Tenho 19 anos. Fazem 13 desde que meu pai me levou à cancha pela primeira vez. Contra o Atlético-MG, o Grêmio volta a uma final de competição nacional. Não existe chance maior para eu soltar esse grito que está preso na minha garganta desde sempre. Sonho com isso. Sofro por isso. Desejo isso. Baltazar disse outrora que “Deus está reservando algo melhor para o Grêmio”. Chegou a hora. Estarei com meu pai no momento derradeiro. Tenho que agradecer a ele, e somente a ele, por ter me feito gremista.