O nascimento de um Libertador
Por Urtigão
No ano de 1983, pode-se dizer que eu já vivia, intensamente,
tudo que se relacionava ao Grêmio. Já havia participado da escolinha sob o
comando do saudoso Paulo Lumumba. Um piá inocente (sim, naquela época os piás
eram inocentes) que só pensava em se divertir e “brincar” de jogar futebol. Fiz
minha carteirinha da Máquina Tricolor e participava de todos os jogos. Ia ao
estádio sozinho com 12 anos. Chegava, em dias de jogos à noite, de tarde e
ficava arrumando bandeiras, papel picado, etc. Tinha a saudosa camiseta do time
de 1981.
Naquela época, somente os dois primeiros colocados no campeonato
brasileiro iam para a Libertadores. Como tínhamos sido vice-campeões no ano de
1982 em uma disputa com o Flamengo e o juiz (pra variar, a roubalheira contra
nós é histórica), fomos para o certame mais importante das Américas. Vejam bem,
somente os primeiros colocados eram selecionados e não havia times mexicanos (fakes). A Libertadores era a maior
fumaceira! Jogar contra los hermanos,
então, era um desafio indescritível. Só para terem uma ideia, não existia,
ainda, a tal frase fair play. Do
pescoço pra baixo era tudo canela! O futebol bretão na sua essência. Fomos
passando de fase e não lembro bem em quais jogos fui. Mas sei que, contra o
Bolívar, quando o Mazaropi defendeu pênalti e ganhamos de 2 x 1 eu não estava,
pois era de tarde e tinha aula.
Chegamos à final contra o Peñarol, um dos
melhores times da América na época. Uruguaios na verdadeira acepção, ou seja,
sem tiaras.
O primeiro jogo foi em Montevidéu e passou na TV. Uma fumaceira.
Jogo truncado, poucas chances, um embate em que cada palmo de campo era
disputado com unhas e dentes. Empate. Bom negócio? Em uma final de Libertadores
daquela época, nunca seria.
O jogo de volta foi no Olímpico recém expandido (a
obra acabou em 1980, não por acaso um ano antes do início do primeiro ciclo de
vitórias do clube). Caso houvesse novo empate, nada de pênaltis, haveria outro
jogo. A sorte só entrava se não houvesse mais nenhuma opção na equação da
escolha do melhor entre os melhores.
Dia de jogo nervoso. Fui para o estádio à
tarde, como de costume, para aprontar tudo. Voltei para casa, pois minha mãe
assim o exigiu. O pessoal da torcida disse que eu não conseguiria entrar no
estádio, que estaria lotado. Fiquei apreensivo...
Fui cedo, mesmo assim, a
cancha já estava tomada. Resolvi entrar com meu pai pela social e deixar a
torcida nesse dia. Surpreso, vi que as torcidas haviam sido remanejadas nos
seus espaços e a minha estava na social. Beleza. Fui para lá. Era ensurdecedor
o barulho, a cantoria. E era quase impossível de ver o jogo por causa das
bandeiras (daquelas muito grandes) e do frenesi. Sem falar que eu era um guri
de 12 anos vendo o jogo praticamente no nível do campo.
Quase não vi o gol do
Caio. Depois desse gol, quase não vi jogo. A torcida estava extasiada, não
parava de cantar um minuto. A coisa só arrefeceu um pouco quando o Peñarol
empatou. E a angústia ficou estampada nas expressões de todos. A torcida deles
aumentou a festa, sim, outra diferença é que, naquela época, havia um espaço
grande para a torcida adversária. Havia sido assim contra o Flamengo. Quase
toda metade do anel superior e mais um tanto no inferior. Era chato por um
lado, mas, hoje, lembrando daquilo, digo que essa é a essência da disputa, do
jogo. Irmão lado a lado com irmão. Quem perde, baixa a cabeça e vai para casa.
Ao vencedor, os louros da vitória.
Não sabia quanto tinha de jogo. Meu MP3
pré-histórico (leia-se radinho de pilha) não servia para nada no meio daquela
gritaria e frenesi. Só sabia que os ânimos da Máquina Tricolor não diminuíram.
Tentava ver alguma coisa do jogo, mas era praticamente impossível. Uma jogada
aqui, um carrinho ali... Subitamente, todo estádio Olímpico Monumental explode
em um grande grito que, suponho, tenha sido ouvido até mesmo na beira do lago,
lá pras bandas do Menino Deus.
Goooooolllll. Não vi, mas vibrei e continuei a
vibrar até o final do jogo. Cantando, pulando. Até o apito final do juiz. Eu
vi, ao vivo e a cores, Hugo De León, um dos melhores zagueiros que vi jogar na
vida, levantar a taça com a face sangrando. A cena que se tornou um ícone do
futebol. Eu estava lá. Sei que aconteceu. Não foi sonho, apesar de tudo
parecer, hoje em dia, uma lembrança distante.