16 de maio de 2013

Daniel Matador: Tirem-me tudo

Caros

Os mais jovens, infelizmente, não tiveram o privilégio de acompanhar as grandes conquistas que o Grêmio amealhou ao longo de sua história. Uma década sem grandes conquistas acaba, por vezes, minando parte da torcida. Lógico, apenas aquela parte que realmente nunca foi a verdadeira torcida. Me recordo que, alguns anos atrás (não lembro com exatidão o ano), o Grêmio havia sido eliminado de uma Libertadores. Meu pai indignado, meu irmão desolado e eu era o único que, apesar de triste, disse uma frase que sempre me marcou como gremista: “Em seguida tem Libertadores de novo”. Era a certeza de que logo adiante ergueríamos a taça novamente, pois estaríamos no certame outra vez, era nossa sina. A Libertadores sempre foi uma competição talhada para o Grêmio e poucos outros, não obstante alguns penetras entrarem sorrateiramente nos últimos anos.

Nenhuma conquista de Libertadores foi fácil, muito pelo contrário. Sempre tivemos que lutar contra tudo e contra todos, desde juízes salafrários até catimbas desleais. Neste ano a coisa não está diferente, tendo alguns contornos ainda mais críticos. Estamos lutando contra as outras equipes, contra a imprensa, contra o calendário, contra dirigentes de federações, contra os Bombeiros, contra a Brigada e até contra parte da própria torcida. Nada disso, contudo, pode arrefecer o ânimo que teremos de ter na noite de hoje para torcer a favor do Imortal. Quantas vezes, em eras passadas, acompanhamos jogos pela Libertadores em outros países apenas pelo rádio (maldita televisão que não passava!), madrugada adentro (maldito fuso horário!), com frio (maldito Minuano!) e ainda assim o Tricolor nos brindava com uma apresentação digna, com uma vitória, com uma classificação! Que emoção era ouvir os vizinhos gritarem ao longe, sabendo que éramos uma nação unida por um ideal. Que alegria era gritar por um gol que por vezes sequer conseguíamos ver, apenas imaginar.

A energia emanada da torcida gremista deve ser capaz de ajudar a suplantar percalços como distância, altitude ou desfalques. Sua força deve ser superior aos desmandos de meia dúzia de burocratas que impedem que tenhamos mais público e vibração em nosso estádio. Mesmo nossa troca de casa não pode impedir que possamos ser o fator de desequilíbrio na balança da bola. Hoje à noite, todo gremista deve lembrar, esteja onde estiver, com quem estiver, do jeito que estiver, que ele é parte de um todo. Uma força da natureza que, unida em um só propósito, pode fazer com que o Grêmio tire forças de onde não seja imaginável e avance adiante, rumo à conquista da América novamente. Não importa que nos tirem parte da torcida. Não importa que tirem nossa banda ou nossas faixas. Não importa que punam nossos atletas. Que tenhamos de acompanhar via rádio ou televisão. Não importa nem mesmo que a distância física entre nós e o time exista, isto é só um detalhe menor.

Há alguns anos atrás, uma conhecida marca de azeite de oliva português lançou um vídeo promocional para destacar seu produto. O que era para ser um simples comercial tornou-se uma das mais belas peças publicitárias do mundo, tudo por conta não apenas das imagens, mas principalmente por um fator: o singular poema composto para ilustrá-lo. “Tirem-me tudo” mostrava que, mesmo privado de grande parte dos sentidos, não importava o que pudesse ocorrer, sempre haveria uma forma de suplantar as adversidades e ater-se ao que era importante. Recomendo a todos que disponham de poucos minutos para procurar o vídeo na Internet e deleitar-se com ele. Em uma livre adaptação, este humilde escriba transpôs o poema para o universo gremista e sua torcida. Que possamos transportar nossa mente até Bogotá e nossos corações até o gramado do El Campín, não importando o que nos seja tirado no caminho até a América. Enquanto pudermos fazer isso, nada poderá parar a torcida tricolor.


“Tirem-me a vista
Tirem-me para sempre as luzes do estádio
Tirem-me a descida da avalanche
A Geral e a Social
Tirem-me a Calçada da Fama
e os azulejos da parede
Tirem-me o gosto
Tirem-me para sempre o amargor do mate
e o sabor do churrasco
Tirem-me a alegria das crianças de azul
e os trapos da arquibancada
Tirem-me a chance de ver o imortal
fazer a bola morrer no fundo do gol
Tirem-me o tato
Tirem-me para sempre o sol de inverno a bater na cara
Tirem-me a bandeira agitada entre os dedos
Tirem-me o contato do manto no peito
e o aperto da chuteira nos pés
Tirem-me tudo isto
mas não me tirem o ouvido
Porque se eu ainda for capaz de escutar
o grito da torcida gremista
ou o canto da nação tricolor, onde quer que esteja
serei capaz de dizer, se não me tirarem a fala,
que isso é Grêmio; e nada pode ser maior”.

Saudações Imortais