Que maravilha é poder falar novamente de futebol! Se dois jogos por semana atualmente são considerados uma demasia e um tormento para técnicos e jogadores, para quem realmente vive o esporte bretão não há cenário melhor. Quando se é guri dá pra ter uma ideia disso, pois a gente consegue jogar uma, duas, até três partidas seguidas sem cansar. Quando o vigor da juventude já não é mais o mesmo, este ímpeto passa para o acompanhamento do espetáculo em si. E que beleza ver um jogo com cara de Libertadores, como foi este último confronto do Grêmio. Para a geração que curte Neymar e Fifa Soccer saber, isto é um jogo de verdade. Porque futebol não é um esporte, é um jogo, como este escriba já ensinou aqui. No esporte o melhor invariavelmente vence. Não no futebol, onde a vontade por vezes prevalece sobre a técnica, a força pode subjugar o talento e o destino favorece aqueles que lhe apetecem por puro capricho.
Os detratores do verdadeiro futebol, o futebol-força, têm espasmos quando assistem a cenas como a desta semana. Sim, pois o futebol-força é a essência do jogo, assim criado pelos ingleses nos charcos da velha Albion. Como já dizia o sábio Eduardo Bueno, o grande Peninha, em sua obra-prima Grêmio – Nada Pode Ser Maior, “futebol-arte, todo mundo sabe, é coisa de fresco”. Os criadores do futebol até podiam, em seus primórdios, entrar em campo trajando camisas de algodão impecavelmente confeccionadas por alfaiates britânicos. Mas duvido alguém tentar imaginar aqueles bigodudos dando passe de trivela, tentando aplicar uma lambreta no adversário ou ensaiando pedaladas. Até mesmo porque o infeliz que iniciasse algo neste sentido seria atropelado e sairia de campo mais cedo. Alguns poucos jogadores conseguiram assimilar os princípios básicos delineados pelos patriarcas do futebol. Virtuoses como Dinho, Sandro Goiano, Rivarola, De León e outros craques desta estirpe enchem de orgulho os criadores do jogo de bola.
No distante ano de 1948 o astro Randolph Scott interpretou o delegado aposentado Vance Cordell, que se vê obrigado a sair de seu descanso e pegar em armas novamente para combater uma mega quadrilha formada pelos piores elementos do velho oeste. Sundance Kid reúne os Daltons, os Youngers e até Billy The Kid, tocando o inferno em Oklahoma. George “Gabby” Hayes, como sempre, está impecável em sua atuação. O filme tem o singular título de A Volta dos Homens Maus e, assim como todas as sugestões que faço aqui no blog, deve obrigatoriamente ser visto (a não ser por aqueles que prefiram filme de vampirinho brilhoso).
O quebra-pau que ocorreu ao final da partida no Chile me trouxe um sentimento de nostalgia misturado com esperança. “O quê????”, podem perguntar alguns incautos. Sim, meus caros padawans. Sempre que o Grêmio conquistou a Libertadores ocorreram episódios semelhantes de confusão e pancadaria. Em 1983 a situação mais emblemática foi a lendária Batalha de La Plata, protagonizada pelo Grêmio contra o Estudiantes no modesto estádio Jorge Hirschi. Para os Zé Ruelas que não manjam nada do que ocorre além das quatro linhas, havia todo um cenário político em cima deste jogo. A Argentina estava em guerra contra a Inglaterra pela posse das Ilhas Falklands, que eles denominavam Malvinas. Aviões ingleses haviam pousado na base aérea de Canoas e ali foram abastecidos. Um ato que foi considerado pela Argentina como sendo de auxílio a um inimigo declarado. Imaginem então qual foi a recepção que o Grêmio teve no estádio, tanto por parte do time quanto principalmente pela torcida adversária. Era porrada pra tudo quanto era lado e o próprio juiz temia por sua integridade física, tendo inclusive invalidado um gol legítimo do Grêmio quando este já vencia por 3 a 1. O Estudiantes teve quatro jogadores expulsos, mas o Grêmio permitiu o empate para que pudesse sair com vida do estádio. O final da história todo mundo sabe: erguemos a Taça Libertadores pela primeira vez. Em 1995 o super time do Palmeiras levou a maior coça no Olímpico. Quando todos esperavam uma natural vitória da seleção alviverde, o tricolor comandado por Felipão aplicou um memorável 5 a zero. Mas o placar foi quase um acessório da partida, que ficou marcada pela briga campal protagonizada por Dinho e Válber. Danrlei entrou no meio e aí o pau comeu solto. O final todo mundo também já sabe: Grêmio Bicampeão da Libertadores.
Se algum fresco achar que na Libertadores pode-se erguer a taça aplicando-se goleadas em times menores, dando show em cima de equipes menos tradicionais ou jogando o fino da bola só porque se está atuando em casa, sinto informar que a coisa é bem diferente. Por melhor que sejam os jogadores ou por mais qualificado que seja o plantel, por algum motivo que foge à razão os jogos da Libertadores são diferentes de qualquer outro. Fiquei quase feliz quando vi a volta dos homens maus às partidas do Grêmio. Foi lindo de ver o alemão Grolli só no mata-cobra em cima dos chilenos. Até o Cris teve sua utilidade, mesmo não jogando. Ver ele agarrando o alvo de contratação róseo Braian pelo pescoço e aplicando uns tabefes foi demais. Assistir o Werley tripudiando ao vivo, escapando igual saci, gerou um êxtase. Até Zé Roberto se contagiou pelo espírito de luta e disse que seu gol não foi de bicicleta ou de puxeta, e sim um rabo de arraia. Gol feito com golpe de capoeira.
Que tenhamos mais homens maus nos jogos. Que saibamos que isto faz parte da Libertadores e do verdadeiro futebol, para desespero dos jogadores que só pisam em grama sintética. Tenho frouxos de riso quando vejo miguxos encolerizados bradando que foram campeões deste torneio sob chuva de papel picado colorido. E que possamos aprender como atuar neste certame. Para que com isto venhamos a erguer mais uma vez a Taça Libertadores da América e mostrar como se joga um futebol de verdade. Um jogo onde não há só jogadores, e sim verdadeiros homens maus.
Saudações Imortais