20 de junho de 2006

Ecos urbanos


“Vai fiadaputa, vai!”
O grito continha uma dose de ódio incutido e saiu voando pela janela, no exato instante em que eu acomodava meu pequeno de ano e meio no balanço.
Depois, foi um “Aaaaaaaaaahhhhh!” que ricocheteou na laje do pátio e veio bater com força em meu ouvido. Existem gritos que falam, que carregam fatos consigo e este era um deles. Na verdade, não era um apenas, eram centenas vindos em ondas, ecos urbanos, nos mais variados tons, saídos de todas as janelas. Então, apanhei o menino no colo, passei ao largo da churrasqueira que servia de berço ao carvão ainda apagado e subi para me inteirar dos fatos. O que acontecera era absolutamente certo, mas o “como” continha dúvida. Fiz minha aposta em base sólida: “Vai fiadaputa, vai!” Era uma voz de mulher, uma mulher com ódio.
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A gente pensa e diz e ouve que a imprensa é inconstante e torna leviana a opinião do público. É fato puro. O amor de hoje é a aversão de amanhã. Basta um comentário, uma entrevista e uma piada, tudo vira quase nada. Pensava nisso, quando passei pela porta do elevador, mantida aberta pela mão do engenheiro que ia comigo ao encontro dos detalhes. Num cruzar de olhos percebi que estávamos de acordo. Éramos irmãos na aposta de quem deveria ir e de fato, como se ouvia, fora.
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Há tiros que se perdem e há tiro e queda. Quando tomei ciência do que ocorrera, vi que acertara na mosca. Ele participara da manobra, não como executor do tiro fatal, mas preparando o fuzilamento. Ronaldo Nazário era o safado, o filho da puta. “Vai, (gordo) fiadaputa, vai!”, era o xingamento para que fizesse algo proveitoso aquele inútil. Ele serviu Adriano. Adriano meteu na rede da Austrália.
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Dado como aleijado, por aposta pessoal de Luiz Felipe Scolari, Ronaldo tornou-se o maior jogador da Copa de 2002. Com mais três gols, torna-se o maior goleador da história dos mundiais. Dificilmente conseguirá alcançar a marca nos jogos que ainda faltam para a seleção brasileira. Esta arrisca cair vítima de si mesma. Mas Ronaldo Nazário merece respeito e terá minha torcida na busca do recorde. A cada gol dele, se houver, não vou gritar (que o menino repete tudo que ouve), mas vou sair pensando pela janela, até bater no teto da vizinha: “Arre, filha da puta!”