2 de janeiro de 2007

Cenas do passado


Terça-feira, 19 de dezembro de 2006...

O menino acorda e vai até a sala, onde o pai está todo sorridente, vestindo a camiseta vermelha e se aprontando pra sair. A sala cheia de bandeiras e as janelas todas abertas, para passar o cheiro de naftalina que ainda impregna o ar.

– Nós vamos pro aeroporto, pai?

– Aeroporto não, filho. Base aérea... Vamos pra base aérea.

– Ah. Vai ser uma festa bonita, né pai? – pergunta o menino, sem entender porque não no aeroporto.

– Vai, filho. Vai ser um festão.

– Demorou, né, pai?

– É, filho, mas isso não importa... – resmunga o pai.

– Há quantos anos mesmo que tu esperas por esse dia, pai? Desde que tinha a minha idade, né?

– Vinte e três anos, filho... vinte e três anos!

– É muito, né, pai? Ainda bem que acabou... Mas, também, a gente treinou 97 anos... Um dia tinha que acabar, né, pai?

– É, filho... Mas agora vamos. Vamos, que não quero perder a chegada do Pato e do Gabiru.

– Vamos, pai – diz o garoto, pegando uma bandeira e ainda catando uma traça que corria pelo pano vermelho.

Um minuto depois, no elevador:

– Hein, pai... Que título mesmo a gente ganhou?

– Campeão mundial, filho! – exclama o pai, animado. Campeão mundial reconhecido pela FIFA!

– Ah, que nem o Corinthians, né, pai?

– Corinthians? – surpreende-se o pai.

Pensa um pouco, depois, conforma-se:

– É, que nem o Corinthians...

– Pai, mas o Corinthians já ganhou a Libertadores? Já jogou no Japão?

– Tá louco, filho?! Nunca! É que o Corinthians foi convidado. Quando esse torneio que a gente ganhou começou, ninguém precisava ganhar nada pra participar. Era só ser convidado.

– Nossa, pai! Que coisa! Essa FIFA é bem bagunçada, né? Não tem critério nenhum.

– É, filho, mas isso não importa.

O filho segue pensativo até o carro. Enquanto põe o cinto de segurança, sentado no banco traseiro, volta às perguntas:

– Mas pra nós foi difícil, né, pai? Tivemos que ganhar a Copa Toyota Libertadores. Só tem uma coisa que não entendo: nosso time hoje é melhor que aquele beeeem antigo, que tinha uns jogadores que o vô dizia que eram muito bons. O Falcão, o Batista, o Carpeggiani, o Manga?

– Não filho, aquele time foi o melhor de todos que já tivemos. Isso não se discute!

– Mas pai, então me explica: se aquele time era tão bom, por que demorou tanto pra gente ganhar a Copa Toyota Libertadores?

– Ah, filho, porque naquele tempo era muuuuito mais difícil ganhar. Ainda era a Copa Libertadores da América. Primeiro, porque só dois times brasileiros jogavam... Se ainda fosse assim, a gente nem tinha jogado este ano. E os adversários eram muuuuito mais difíceis! Tinha times como o Boca, o River, o Estudiantes, o Peñarol, o Olímpia. Eles batiam muito também! Dava até medo jogar naqueles estádios da Argentina, do Uruguai, do Paraguai, da Colômbia. Então, aquele time que o vô viu jogar era muito bom. Mas, naquele tempo, Libertadores era pra macho! Hoje, com a globalização, a Copa Toyota Libertadores está ao alcance de qualquer um.

O filho pensou um pouco:

– Pai, quando o Grêmio ganhou a Libertadores da América duas vezes era mais difícil, também? Ou eles só jogaram com o Maracaibo, o Libertad, o Nacional e o DMLU, que nem nós?

Silêncio...

– Ah, mas nós ganhamos a final do São Paulo – emendou o pai, sem responder...

– É mesmo! Naquele jogo que o Rogério Ceni entregou, lembrou o filho.

– Que sorte, né, pai?

Alguns minutos de silêncio depois, o filho volta às dúvidas:

– Pai, mas então quando o Grêmio foi Campeão Mundial também era mais difícil, né? Porque não era qualquer um que ia pro Japão. Porque até o Falcão, que o vô diz que foi nosso maior craque, só foi pro Japão com a Globo.

– É, filho... Mas o Grêmio jogou contra um time alemão, que estava até desfalcado no dia... Não foi que nem nós, que jogamos contra o Barcelona do Ronaldinho, do Deco, do Eto'o, do Messi, do Saviola...

– Quem é Eto'o, pai? Eu não vi nenhum Eto'o domingo, nem Messi, nem Saviola.

– Ah, é porque eles estavam lesionados. Eles não jogaram.

– Puxa, quantos lesionados. Mas, então, o Barcelona estava desfalcado? Que sorte, né, pai?

– Ah, mas nós não jogamos só uma partida como o Grêmio, meu filho – insiste o pai, já irritado.

– Nós primeiro tivemos que passar por um jogo muito difícil, contra aquele timão lá do Egito! O Ai-Ai...

– Puxa pai, é mesmo! Eu nem sabia que no Egito tem futebol. Mas foi um jogão. Bem difícil. Ainda bem que a gente teve muita raça e ganhou do Ai-Ai do Egito, né, pai?

– Isso, filho. Muita raça. Olha, que bandeira linda ali no Laçador!

Percebendo que o pai quer mudar de assunto, o filho fica quieto por mais uns minutos, até chegar à Base Aérea, onde muitos outros torcedores se reúnem para esperar o time que está chegando. Em meio a homens, mulheres e crianças, o garoto logo reconhece um amigo:

– Olha, pai! É o Bilu! Eu conheço ele lá da Escolinha do Beira-Rio! Ele é meu colega do balé...

– Bilu? E isso é nome de homem...? – pergunta o pai.

– Ué, pai. Que nem Gabiru.

– Ah, é mesmo. – concorda o pai, meio a contragosto.

Passa-se um minuto, e o garoto segue pensativo:

– Pai, por falar nisso, é verdade que nós só ganhamos quando entrou o Gabiru? O pai olha de soslaio para o menino, suspira e diz:

– Deixa pra lá, filho, deixa pra lá... O que importa é comemorar. Campeão da FIFA! Campeão da FIFA!


Obs: O texto acima foi recebido de um colaborador. O Imortal Tricolor não se responsabiliza pelas opiniões e conceitos nele expostos.