_____
Rebaixamento do Brasil de Pelotas: uma ímpia e injusta guerra.
A Semana Farroupilha é certamente o período em que nós, gaúchos, deixamos aflorar com maior intensidade esse sentimento de orgulho que está presente em todos os nossos corações. Orgulho do que somos e de onde nascemos. O período é um símbolo da resistência e da bravura deste povo que não aceitou as injustiças impostas pelo Império.
Aproveito, então, esse momento, para chamar a atenção do Rio Grande para um injusto ataque sofrido no final da semana passada. Por ironia do destino, é mais uma vez do Rio de Janeiro, antiga capital do império, que veio a agressão injusta e ilegal: o rebaixamento do Brasil de Pelotas determinado pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva – STJD.
A leitura apenas da manchete sobre o caso pode levar ao apressado entendimento de que apenas se tratou de uma simples aplicação de uma pena de perda de pontos a um clube que, por suas deficiências financeiras ou mesmo de organização, escalou um jogador de modo irregular.
O detalhamento do caso, no entanto, permite conclusão em direção diametralmente oposta. Tratou-se, na verdade, de verdadeiro atentado contra o clube pelotense e a torcida xavante.
Mas não só contra eles. Não é de hoje que o futebol gaúcho sofre com algumas decisões do STJD. O caso de Campeonato Brasileiro de 2005 não sai da memória dos colorados.
Naquela oportunidade, o Corinthians acabou sendo beneficiado, em claro prejuízo ao Inter. No caso do Campeonato Brasileiro da Série C, mais uma vez interesses de paulistas e gaúchos estavam em jogo e o STJD acabou decidindo por punir o Grêmio Esportivo Brasil, uma semana após o centenário do clube.
Para aqueles que ainda não se inteiraram do assunto, passo a expor os detalhes daquele que ficou conhecido como “caso Cláudio”.
O nome atribuído é o do jogador Cláudio Roberto, lateral direito xavante, estopim do imbróglio.
O lateral foi escalado na estreia Xavante no Campeonato Brasileiro da Série C 2011, em 17/07/2011, cujo resultado foi de vitória, fora de casa, por 3 x 2, contra a equipe do Santo André/SP.
Ocorre que o xavante não poderia tê-lo escalado, pois teria sido expulso na última rodada do Campeonato Brasileiro da Série C 2010, quando atuava pelo Ituiutaba-MG, atual Boa Esporte.
Após denúncia da Procuradoria, o Brasil foi julgado pela 4ª Comissão de Disciplina do STJD, em sessão do dia 29/07/2011, quando, em uma audiência de quase duas horas, foi absolvido por 4 votos a 1.
A Comissão acolheu os argumentos do clube gaúcho no sentido de que não teve qualquer culpa no caso. Foram demonstrados os documentos de transferência do jogador enviados pela Federação Mineira onde não consta qualquer punição pendente. Também foi apresentado documento da Federação Gaúcha, informando que na transferência também não foi informada de qualquer punição. Por fim, ainda demonstrou-se a ficha de entrada do jogador no clube, com sua declaração de que não possuía qualquer punição a cumprir.
Em suma, ficou demonstrado que o clube agiu de boa-fé e realizou as consultas usuais para o caso. Aliás, o julgamento não poderia ter tido outro resultado, pois o Código Brasileiro de Justiça Desportiva exige culpa ou dolo no cometimento das infrações e foi provado que, se alguém teve culpa no caso, foi a Federação Mineira.
Além disso, a própria jurisprudência do Tribunal era favorável aos argumentos gaúchos. Apenas para ficar em um exemplo, em 2010, pela Série B, o Duque de Caxias/RJ foi absolvido em uma situação idêntica. Uma simples consulta na internet confirma essa informação.
Aliviado pela vitória no tribunal, o xavante prosseguiu no campeonato. Após um primeiro turno bastante promissor, onde figurou como líder de sua chave, houve a queda de rendimento no segundo turno, ficando sem chances de classificação ao perder na penúltima rodada para o Joinville, em Santa Catarina.
Na última rodada, o xavante apenas disputaria com Santo André/SP e Caxias/RS a permanência na série c.
A pior situação era da equipe paulista, pois precisava vencer o Xavante dentro do Bento Freitas para se livrar da degola.
No entanto, o inesperado aconteceu. Após o transcorrer de quase toda a primeira fase, foi marcado para o dia 15/09/2011 o julgamento do recurso contra o Brasil. Por um capricho, que certamente não foi do destino, faltavam apenas dois dias para a última e decisiva rodada do campeonato.
Na ocasião, já era possível saber: se o xavante perdesse no tribunal, seria rebaixado; se ganhasse, quem estaria praticamente rebaixado seria o Santo André.
E o Xavante perdeu. E perdeu feio. Em um julgamento bem mais rápido que o anterior, cerca de quarenta minutos, com exceção de um auditor, todos os outros oito auditores se convenceram de que o xavante era culpado.
O clube gaúcho foi perder onde menos esperava: o pleno do STJD, justamente o órgão formado pelos auditores que absolveram o Duque de Caxias em dezembro de 2010.
Embora o quadro narrado já seja capaz de demonstrar a injustiça da decisão, a questão não para por aí.
Há outro ponto que foi absolutamente desconsiderado pela decisão do STJD e que é de fundamental importância no caso: a punição do atleta recebida no fim de 2010 (suspensão por um jogo) não possui qualquer validade, pois foi aplicada em processo claramente nulo.
Vejamos os fatos.
A expulsão do jogador Cláudio Roberto ocorreu no último jogo válido pela Serie C, na partida em que o seu clube na época – Ituiutaba/MG – disputou contra o ABC/RN. O jogo ocorreu no dia 20/11/2010.
Em dezembro/2010, ocorreu o julgamento do atleta que acarretou a punição de suspensão por um jogo, que, segundo o STJD, deveria ter sido cumprida em 2011, no jogo entre Brasil e Santo André.
Ocorre que o contrato do jogador com o Ituiutaba terminou um dia apenas depois do jogo, ou seja, 21/11/2010, e o julgamento ocorreu em 14/12/2010.
A citação, meio pelo qual o denunciado é chamado a se defender, foi dirigida ao Ituiutaba/MG em momento em que o jogador não tinha mais qualquer vínculo com o clube.
O jogador, portanto, não foi avisado do julgamento. Não teve a chance de se defender, direito que lhe é assegurado pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) e pela própria Constituição Federal.
Em casos como esse, em que o processo ocorre após o término do vínculo do atleta com o clube, este tem o dever de fazer chegar ao jogador a comunicação da justiça desportiva, sob pena, inclusive, do próprio clube sofrer uma punição.
Para que fique claro, transcrevo o art. 51 – A, do CBJD:
Art. 51-A. Se a pessoa a ser citada ou intimada não mais estiver vinculada à entidade a que o destinatário estiver vinculado, esta deverá tomar as providências cabíveis para que a citação ou intimação seja tempestivamente recebida por aquela. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
Parágrafo único. Sujeitam-se às penas do art. 220-A, III, a entidade que deixar de tomar as providências mencionadas no caput, salvo se demonstrada a impossibilidade de encontrar a pessoa a ser citada ou intimada. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
No julgamento do atleta Cláudio, nada disso ocorreu. O Ituiutaba não tomou qualquer providência para que a citação ou intimação fosse recebida pelo jogador. Por isso, foi julgado à revelia, não tendo tido oportunidade de apresentar sua defesa, de comparecer ao julgamento e mesmo de recorrer da punição sofrida.
Mas a situação ainda é mais grave: por ser a última partida do campeonato, o atleta teria o direito de requerer a conversão da pena em medida de interesse social, normalmente a doação de cestas básicas, direito que também lhe foi suprimido. Vejamos o que diz o art. 171, §1º, do CBJD:
Art. 171. A suspensão por partida, prova ou equivalente será cumprida na mesma competição, torneio ou campeonato em que se verificou a infração.
§ 1º Quando a suspensão não puder ser cumprida na mesma competição, campeonato ou torneio em que se verificou a infração, deverá ser cumprida na partida, prova ou equivalente subsequente de competição, campeonato ou torneio realizado pela mesma entidade de administração ou, desde que requerido pelo punido e a critério do Presidente do órgão judicante, na forma de medida de interesse social.
A conversão em medida de interesse social é praxe no tribunal, sendo utilizada por diversos atletas e clubes nesses casos. Apenas para exemplificar, o próprio Grêmio e o Cruzeiro-MG já se beneficiaram da medida.
Não há, portanto, como se sustentar a pena recebida pelo atleta e, em decorrência, pelo clube.
Não há jurista capaz de sustentar a validade de um processo em que o réu foi revel e não foi sequer citado. O processo padece de nulidade absoluta e a punição recebida não tem qualquer valor. O processo deve ser anulado e ao jogador deve ser oportunizado o exercício de seu direito de defesa e a possibilidade de conversão da pena em medida de interesse social.
Essa é a tese jurídica apresentada pelo Grêmio Esportivo Brasil e que ainda não foi julgada pelo STJD.
Como o xavante garantiu, no último domingo, o resultado que precisava, irá até as últimas consequências para garantir que essa punição injusta não seja mantida, fazendo prevalecer os resultados obtidos dentro de campo.
O fato de o Santo André estar amargando seguidos rebaixamentos no campeonato brasileiro não lhe dá direito de obter, injustamente, sua salvação nos tribunais.
O Brasil de Pelotas, time centenário, possuidor de uma das mais fantásticas torcidas do futebol brasileiro, não merece sucumbir dessa maneira. O Rio Grande do Sul não pode sofrer mais uma vez com os erros do STJD.
Sabemos, no entanto, das dificuldades que nosso clube pode enfrentar nos tribunais. Portanto, nessa semana farroupilha, conclamo a todos os gaúchos a participarem desta luta junto com o Xavante. Mostremos valor, constância, nesta ímpia e injusta guerra, pois o nosso Brasil, é de Pelotas.