7 de junho de 2011

O círculo danoso

Coletamos a série histórica dos valores recebidos pelos clubes de futebol pelos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro nos últimos 16 anos e uma estimativa para o triênio 2012-2014.

A busca dos valores passados foi feita no site do Clube dos 13. Eles podem não expressar fielmente o montante contratado, mas se aproximam da realidade em medida suficiente para ilustrar o propósito deste post. Os valores futuros (2012-2014) foram estimados. Como não houve o fechamento de um pacote global com os participantes da Série A e alguns ainda não assinaram com a Globo, tomou-se por base para a estimação as notícias vinculadas na imprensa sobre os montantes contratados por alguns clubes, comparativamente ao que recebem atualmente. Do mesmo modo, o propósito deste post prescinde da exatidão dos valores, posto que eles servem apenas para mostrar, de forma aproximada, a evolução da receita dos clubes. Vejam a série:


Os valores de 2000 e 2001 não possuem índice por terem sido expressos em dólares americanos. Poderiam ser convertidos para reais pela cotação média do dólar nos respectivos anos, mas isso consumiria mais pesquisa e não agregaria informação relevante para o que se deseja mostrar.
_____

Em economia, chama-se de círculo virtuoso um contínuo de resultados favoráveis crescentes, cujos efeitos positivos realimentam o ciclo seguinte do processo. A expressão batiza o fenômeno mais saudável que se pode desejar ter na dinâmica de um mercado.

Para ser breve, listamos duas constatações: 1) a receita dos clubes multiplicou 53 vezes em 19 anos; 2) um clube do Grupo 3 (no qual o Grêmio se insere) receberá, em 2012, quase tanto quanto todos os clubes recebiam em 1997. Há que se considerar o valor do dinheiro no tempo, afetado pelo fenômeno inflação, mas nem por isso a evolução das cifras deixa de ser admirável.

Um alheio ao mundo do futebol que olhasse os números, imaginaria, com absoluta convicção, que os clubes estão muito bem, obrigado!, com patrimônios crescentes e situação financeira resolvida. Sabemos que, quase absurdamente, nada disso aconteceu ao longo destes anos. O advérbio "quase" da frase anterior foi colocado porque sabemos que nem só de paixão vivem os homens e há que se ter isso em conta, quando se pensa a realidade.

Hoje, clubes de primeira linha não possuem orçamentos inferiores a R$ 100 milhões/ano. Contudo, o  aumento das receitas foi totalmente consumido por despesas que cresceram mais do que proporcionalmente e pode-se dizer que não há exceção quando se fala em dificuldades financeiras dos principais atores do Brasileirão.
_____

A verdade é que moscas procuram mel. Desconsiderando-se os descaminhos que sempre acompanham as cifras altas, o acréscimo nas receitas dos clubes nos direitos de TV, rendas dos jogos, patrocínios, quadros sociais etc serviu como feromônio para atrair um enxame de interessados em se relacionar com os pretensos novos ricos. Afora os descaminhos já citados, aproximaram-se para mamar no mel da colméia: jogadores querendo e obtendo maiores salários; empresários desejando e alcançando ampliação dos seus lucros; dirigentes gastando de forma irresponsável; advogados buscando falhas na condução de contratos e condutas e conquistando danos morais, reversão de contratos de imagem em salários e toda a gama de pedidos de reparação possíveis e inimagináveis; órgãos de fiscalização buscando porções do néctar. Enfim, para os clubes, os ganhos viraram fumaça, pairando no imaginário como uma redenção que poderia ter sido.

Pode-se dizer que, nos últimos 20 anos, vivemos um círculo danoso: quanto mais a receita cresceu, mais os clubes se endividaram. Uma aberração administrativa.

A reversão deste quadro exige responsabilidade administrativa, compromisso ético com o clube e profissionalismo. Sem isso, é de se torcer para que o crescimento dos ingressos pare, pois representa apenas mais corda para quem quer enforcar o pescoço da paixão coletiva.