O blog, sem falsa modéstia, tem histórias para contar em seus 10 anos. Muitas.
Mas penso que nenhuma nos surpreendeu mais do que a história do Boné.
O Boné ganhou o mundo. Passou a ser conhecido do Ártico ao Antártico. E, mais importante: era único. Nunca apareceu alguém para contestar o blog e o Arigatô. O Cheira-Rio era o único, vá lá, estádio (sic) do mundo que usava boné.
Mas veio a AG, a Dilma, a Lava Jato e no processo de criação do Remendão Pataxó eliminaram o boné, deixando em seu lugar um cocar indígena.
Um desastre arquitetônico e uma destruição da história. Acabaram com uma das poucas coisas que poderia e, sim, orgulhava os mazembados. O Boné virou pó na história.
Pois o inevitável aconteceu. Até demorou muito, mas um corajoso torcedor do cocô-irmão resolveu chorar em público sua dor.
E o blog, criador do título inédito do antigo Cheira-Rio, sente-se no dever de reproduzir as palavras de dor e desalento do mazembado.
É o que fazemos abaixo. Respeitosamente.
O original está na Zero Hora de hoje.
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Marcelo Carôllo: o boné que me roubaram
Estudante de jornalismo lembra de detalhes que marcaram sua vida nas aquibancadas
Já me roubaram muita coisa. Minhas intermináveis interações com assaltantes renderam aos bandidos celulares, relógios, mochilas, passagens de ônibus (nos tempos em que havia passagem de ônibus em Porto Alegre) e até uma bicicleta.
Das coisas que perdi, quase todas consegui recuperar posteriormente. Ocorre que, tragicamente, o item que mais me faz falta eu jamais poderei ter de novo: aquele boné.
Ele estava ali, a dois metros de mim, atrás de uma vitrine de vidro em uma loja do Inter. Não era o meu boné, mas uma réplica. Linda, uma peça maciça, uma representação fiel do famoso, saudoso e indefectível boné da cobertura do antigo Beira-Rio. A maquete à venda representava apenas aquela fração de arquibancada. Aquele espaço entre uma arquibancada inferior que não existe mais e um "A maior torcida do Rio Grande" que, tal como era, jamais se repetirá. Viajei enquanto contemplava o item atrás da vitrine.
Aprendi a amar aquele pedaço de cimento armado assim que pisei no Gigante. Era a minha primeira vez em um estádio de futebol. 1999. Oito anos de idade. Meu pai me levando pela mão descendo a Otávio Dutra, entrando na Padre Cacique, nos embrenhando no mar vermelho de gente que subia as rampas e se acomodava, finalmente, sob o boné do Beira-Rio. O Inter venceria por 3 a 0 o Grasshopper, da Suíça, em um bizarro amistoso de pré-temporada, reestreia de Dunga com a camisa alvirrubra.
Dizem que o boné nem era para ser daquele jeito, aba solitária, isolada naquela metade de estádio. Dizem que o construíram apenas como forma de "obrigar" alguma direção futura a continuar a obra, fechando a cobertura do anel superior. Dizem muita coisa.
O que eu digo é que o momento mais triste da melancólica reforma do Beira-Rio (um Gigante que foi aberto ao público, com suas entranhas expostas enquanto a cirurgia acontecia) foi chegar para aquele Gre-Nal chuvoso e não o ver mais ali. 26 de agosto de 2012. Tempo fechado e 1 a 0 para eles, derrota que não se compara à minha: haviam roubado, para sempre, o meu boné.
O estádio hoje em dia é bem bonitinho. Tem luzes. Tem uma cobertura que contempla toda a arquibancada. Tem skyboxes, até. A miniatura do Beira-Rio da Copa do Mundo é vendida nas lojinhas do Inter. Eu, roubado que fui, não tenho olhos para ela. Fico namorando outro pedaço de vitrine: aquele que coloca à venda a única coisa que me roubaram e eu não tenho como ter de volta.