por Milton Jung
Grêmio 2 x 3 Coritiba
Brasileiro – Arena Grêmio
A experiência mais gratificante que tive com um técnico de futebol foi com Ênio Andrade quando, pela primeira vez, treinou o Grêmio, em 1975. Anos difíceis aqueles, nos quais o título gaúcho era quase uma utopia e sequer tínhamos direito de sonhar com o Brasil ou o Mundo, apesar de já estar escrito pelo destino que haveríamos de conquistá-los. Foi, por sinal, o próprio Ênio quem abriu caminho para essas vitórias quando voltou a ser nosso treinador nos anos de 1980, mas este foi outro momento da nossa vida como torcedor. Seu Ênio, como sempre respeitosamente o chamei, foi muito mais do que o técnico do meu time de coração. Adotei-o como padrinho pelo carinho que sempre teve comigo desde que fui apresentado a ele por meu pai, Milton Ferretti Jung, que você, caro e raro leitor, conhece muito bem. Além de acompanhar a todos os treinos do Grêmio ao lado do gramado, tinha o privilégio de assistir às conversas que eles travavam ao fim dos trabalhos em uma mesa que lhes era reservada na cozinha do bar que funcionava dentro do estádio Olímpico. Aprendi muito sobre futebol naqueles tempos e não apenas sobre estratégias em campo, mas do jogo de tramoias e injustiças que se desenrola na maioria das vezes distante dos olhos do torcedor. Convidado por ele, me travesti de gandula para funcionar como “pombo-correio” do técnico que, na época, não podia sair da casamata, como era chamado o banco de reservas. Seu Ênio me passava as instruções e eu corria até atrás do gol gremista para transmiti-las ao goleiro Picasso. Inúmeras vezes, percebia que a orientação tinha um sentido e jogávamos a bola para o outro. O aprendizado mais importante se deu no campo pessoal: foi ele o responsável por me convencer de que eu seria muito mais honesto se procurasse meu pai para contar-lhe que havia rodado de ano na escola, notícia que eu relutava em anunciar, apesar de todos na família já saberem.
Antes de a partida de hoje se iniciar, tive a oportunidade de ouvir o comentarista da Sport TV Maurício Noriega citar o nome de Ênio Andrade, curiosamente ao falar da situação crítica vivida pelo Coritiba, time pelo qual Seu Ênio conquistou o Campeonato Brasileiro, em 1985. Apenas para refrescar sua memória, ele já havia sido campeão pelo Grêmio, em 1981, e mais tarde ganharia seu terceiro título nacional no comando de outro clube gaúcho (deixemos de lado, porém, esta lembrança). O comentário de Noriega foi o estopim para a saudade que venho sentindo de um treinador estrategista, com habilidade para enxergar a partida e mudar a maneira de se comportar do time na conversa de vestiário, substituindo ou apenas trocando o posicionamento de seus jogadores. Com a competência de um maestro que conhecendo cada peça à disposição as faz superar seus limites. Um técnico como Seu Ênio que conseguia nos explicar, sobre a mesa do bar, com algumas caixas de fósforo e um maço de cigarros, como o Grêmio venceria o Gre-Nal no fim de semana (e vencemos). A saudade aumentou a medida que o jogo desta noite de domingo se desenrolava, pois mesmo diante do placar que encaminhava uma vitória era perceptível que alguma coisa estava fora da ordem. Fernandinho e Matías Rodriguez estrearam; Giuliano estava em campo e Luan, também; Barcos se redimia com dois gols; Rhodolfo se esforçava como podia; Marcelo Grohe e o travessão defendiam o que dava; mas nada convencia. A virada que se desenhou era apenas uma ilusão como vimos no minuto derradeiro da partida.
Trinta e cinco jogos, 17 vitórias, 11 empates, sete derrotas e uma goleada histórica depois, Enderson Moreira foi demitido. Nos últimos 13 anos, 21 técnicos – entre titulares e interinos – passaram pelo Grêmio e apenas dois deles, Tite e Mano, deixaram saudades pelas graças alcançadas. Amanhã (ou daqui a pouco), alguém será escalado pela direção para ocupar este cargo. Sei que não encontraremos ninguém a altura do Seu Ênio, gente como ele não existe mais, mas seria pedir muito que a diretoria contratasse alguém a altura do Grêmio?