14 de julho de 2014

Entrevista com Milton Ferreti Jung

GOL! GOL! GOL! 
Esta era a característica da narração de Milton Ferreti Jung. Começou no tempo em que não precisava diploma para exercer o jornalismo. Tempo em que, paradoxalmente, mesmo assim havia mais profissionalismo. Pelo menos havia mais honestidade na imprensa.
Gremista, sempre foi respeitado por todos, incluindo os colorados. Nunca deixou a paixão influenciar no seu trabalho. e muito menos a usou para prejudicar o rival.
Nestes tempos de churrascos às segundas-feiras, de jabás de todos os tipos e de amostras diárias de mau profissionalismo e de desrespeito completo ao leitor, ouvinte ou espectador, resolvi entrevistá-lo sobre as diferenças entre ontem e hoje. Para isto contei com a ajuda do seu filho, também Milton Jung, excelente âncora do Jornal da CBN e dono do melhor texto pós-jogo entre os blogueiros do Grêmio. O Avalanche Tricolor, cujo link está aí ao lado. 
Generoso, Milton pai poupou os colegas. Mas mesmo assim se pode perceber que os tempos eram outros. 

P: Como iniciaste no jornalismo?
Milton: Comecei no jornalismo a partir de um teste em uma pequena emissora – Rádio Canoas – que estava contratando locutores para compor o seu quadro. Eu diria que iniciei não, exatamente, como jornalista,mas como radialista. Com um ano de trabalho em rádio era possível que, mesmo sem cursar faculdade, se ingressasse no Sindicato de Jornalistas.

P: Já começaste pela narração de jogos de futebol?
Milton: Iniciei atuando como locutor comercial. Um ano depois,Sérgio Moraes,que era o narrador contratado pela Canoas,recebeu convite para trabalhar na Rádio Gaúcha e mudou de prefixo. Apesar de somente ter brincado de narrar futebol de mesa, aceitei ser escalado pela chefia para narrar um jogo do campeonato gaúcho. Tratava-se de Cruzeiro x Renner, partida que seria realizada no Estádio da Montanha. Aceitei. Os radiozinhos ainda não haviam invadido os estádios. Logo,os raros ouvintes da Canoas não tinham como saber se, no mínimo, eu estava acertando o nomes dos jogadores. Confesso que não sei como me saí da empreitada. Na Rádio Canoas cheguei a narrar provas de automobilismo disputadas no circuito da Pedra Redonda, na Zona Sul de Porto Alegre. Voltei às narrações de futebol depois de me transferir para a Rádio Guaíba. Na Copa do Mundo de 1958, que teve a cobertura dessa emissora, fui um ouvinte apenas. Mendes Ribeiro, diretor de broadcasting da Guaíba,era também o narrador titular e meu chefe. Ele testava quem pretendia ser narrador nos jogos do campeonato gaúcho, que começavam antes que os de Porto Alegre, narrados por Mendes. Passei no teste e virei narrador de fato. Corria o ano de 1961. 

P:: Era necessário formação acadêmica naquela época para exercer o jornalismo? Na tua opinião isto é importante?
Milton: Não era necessário formação acadêmica para exercer jornalismo ou trabalhar em rádio. Acho que as faculdades de jornalismo são, hoje, indispensáveis. O mais importante,porém,é ter vocação. Sem essa,ninguém chega a progredir tanto no rádio quanto no jornal.

P: Como era a relação da imprensa esportiva com o torcedor? Havia muita abordagem nas ruas? Recebiam cartas?
Milton: Sobre a relação da imprensa esportiva com o torcedor, prefiro falar de mim. Sou gremista desde criança e nunca escondi qual o clube da minha preferência. Os ouvintes sempre souberam que eu torcia pelo Grêmio. Jamais os rivais colorados me trataram mal. Quanto a abordagens de torcedores nas ruas, somente quando se cruzava pela Rua dos Andradas, no Centro Histórico de Porto Alegre. Quando nos reconheciam,faziam perguntas a propósito do que se passava tanto no Grêmio quanto no Inter. Não lembro de haver recebido cartas de torcedores. Na minha época de narrador ainda não havia quem fosse blogueiro. 

P: Como fazias para narrar um gol contra o Grêmio com a mesma empolgação de um gol à favor?
Milton: Ao narrar futebol não fazia diferença para mim se o gol era do meu Grêmio ou do Inter. Para o lado profissional não ser prejudicado, basta que não se deixe transparecer – mesmo no meu caso – a cor clubista.

P: Como era narrar gol do time mazembado? Já narraste gol contra o Grêmio em GRE-nada?
Milton: Narrei,sim, gol do Inter em Gre-Nal. Na hora não doeu.

P: Havia pressão de dirigentes esportivos sobre os jornalistas da área?
Milton: Os dirigentes esportivos em geral têm bom comportamento e são respeitosos mesmo quando sabem para quem a gente torce.

P: Como é que vês o jornalismo esportivo gaúcho da atualidade? Houve renovação de talentos?
Milton: Quando eu ainda narrava futebol não se exigia que os jornalistas ou radialistas tivessem passado por faculdades. Essa é,agora,uma exigência especialmente no caso de repórteres,editores etc. Neste Copa do Mundo, no entanto, fiquei impressionado com o número de ádvenas transformados em comentaristas de TV, todos ex-jogadores de futebol, ex-juízes ou sei lá o que mais. Profissionalmente, porém,apareceram muitos talentos jovens,o que é saudável.

P: O que aconselharia que um jornalista fizesse nos dias atuais para lidar com pressões por favorecimento? O profissional correto sofre muitas retaliações?
Milton: Quanto a pressões, desconheço esse assunto. Retaliações que jornalistas podem sofrer por isso ou aquilo, talvez existam,mas excepcionalmente

P: Falando um pouco do Grêmio, como viste a transição do Olímpico para a Arena?
Milton: O Mílton Jr. disse no dia em que o Grêmio estava se despedindo do seu velho estádio que o Olímpico era para nós, que morávamos bem perto dele, ”a extensão do pátio da nossa casa”. A Arena é bonita, mas sentiremos saudade eterna do palco de muitos acontecimentos que ficarão na história do Grêmio para todo o sempre.A transição do Olímpico para o novo estádio foi dolorosa e fonte de desentendimentos de toda ordem entre o clube e a empreiteira.

P: Qual seria o caminho para que o futebol brasileiro chegue no patamar econômico dos grandes clubes da Europa?
Milton:  Amigo,no dia em que o Brasil chegar ao patamar das maiores potência do Mundo,os nossos clubes,quem sabe,ficarão mais próximos de se nivelarem com os ricos estrangeiros.

P: Tem alguma ou algumas histórias da tua época que são interessantes e ainda não foram contadas?
Milton: Não consigo lembrar de nenhuma história que ainda não tenha sido contada. Eu mesmo contei algumas. Logo,não são novidade.