A mãe do Júlio
Voltei do Canadá dois dias antes da decisão da Libertadores de 83. Havíamos empatado com o Peñarol lá em Montevidéu, 1 a 1. Não havia mais ingressos. Tive de assistir a final em casa, pela TV. Mas como a gurizada do prédio era tão ou mais louca do que eu, resolvemos colocar tudo que pudéssemos de cor azul nas janelas do condomínio. A loucura era tanta que o vizinho debaixo pendurou até um cueca e uma calcinha da mulher dele. A gente sabia que a véia era gorda, mas... uma calcinha daquele tamanho? Parecia uma barraca!
No prédio da frente, no último andar, morava um colorido muito do fanático. Pois bem! GRÊMIO 1-0. Foi uma festa. E minha mãe ali feliz, mas na dela, fazendo a sua tapeçaria! Porém, comecei a notar uma coisa: conforme o tempo do jogo passava, ela mudava de lugar no sofá.
Quando o Peñarol empatou o jogo, o vizinho colorido foi para a janela e começou a gritar: "E aí, vão enfiar estas bandeiras no rabo? Vão enfiar tudo no c...? Vão ter de limpar o rabo com esses trapos!"
Sempre tive minha mãe como uma mulher contida, reservada, carinhosa, que não dizia palavrão, requintada mesmo. Quando, então, o GRÊMIO fez o segundo gol, dei um salto que quase derrubei o lustre. Retomando o equilíbrio, vi uma sombra passando por mim. De repente, olhei para a janela, era minha mãe! Ela gritava com vontade: "Aparece filhadapu...! Aparece que vou te mostrar no c.. de quem que eu vou enfiar a bandeira com mastro e tudo! Aparece cretino! Tu não é homem agora para botar tua cara na janela né, seu ridículo!"
Ela só se acalmou depois depois de um tempo. Não sei se foram os dois copos de água com açúcar ou ver a minha cara de apavorado. Então, sentou e tranquilamente seguiu a fazer sua tapeçaria. Eu ali, mudo, fiquei olhando pra cara dela.
Até hoje ela não conseguiu saber aonde foi parar a agulha da tapeçaria que usava no momento do gol.