Já dissemos aqui em outras ocasiões que o futebol, por vezes, proporciona situações que nos deixam de alma lavada, mesmo quando não estamos falando de resultado de campo. Neste final de semana, além do empate do tricolor e do vexame do co-irmão, outro episódio envolvendo o futebol mereceu destaque. Caso alguém tenha chegado agora de Marte ou só assista novela, vou fazer um resuminho de uma notícia do outro lado do mundo. A Turquia possui um governo chefiado por um primeiro-ministro, cujas ações são contestadas desde que assumiu o poder, em 2002. O governo turco havia aprovado a construção de um parque urbanístico com um shopping center e a reconstrução de um antigo quartel do exército otomano. Este projeto destruiria grande parte da famosa Praça Taksim, um local muito bonito, quase um cartão-postal de Istambul. A população revoltou-se com o projeto e muitos manifestantes ficaram postados na praça, o que fez com que o governo acionasse a polícia, a qual agiu estilo o BOE da BM em dia de jogo do Grêmio na Arena: saiu sentando o cacete em todo mundo. Os policiais utilizaram inclusive muitas bombas de gás lacrimogêneo e canhões de água para dispersar quem estava no local.
“Tá, Matador, mas e o que o futebol tem a ver com isso?” Como muitos só se apegam às coisas da terra e, por vezes, esquecem que estamos em um mundo globalizado, vou dar mais uma explicação sobre futebol e geopolítica. Os três maiores clubes de futebol da Turquia são o Fenerbahce, o Galatasaray e o Besiktas. O Fenerbahce é o clube onde Alex virou ídolo e onde Roberto Carlos também jogou. O Galatasaray é o clube onde Felipe Melo estava jogando e que possui Taffarel (nosso eterno entregador de Gre-nada) como treinador de goleiros. E o Besiktas chegou a contar durante um bom tempo com o zagueiro Antônio Carlos, ex-Palmeiras e ex-Juventude. Se alguém acha que a rivalidade Gre-nada é acirrada, é porque nunca viu a rivalidade turca. Os torcedores destes três times praticamente se odeiam de morte. Vários casos de homicídio já foram registrados envolvendo principalmente as torcidas organizadas.
O Besiktas possui um caráter extremamente ortodoxo em relação ao futebol. Tanto é que curvou o próprio McDonald’s, que teve de trocar a cor de suas lojas e logotipos para preto e branco (cores do Besiktas), eliminando totalmente suas cores originais, o vermelho e amarelo (cores do Galatasaray) quando instalou uma filial em seu estádio. O clube possui uma torcida, no estilo das barra-bravas argentinas, só que muito mais agressiva, conhecida como Çarsi. Pois esta torcida, ao ver o que a polícia fazia com os manifestantes que estavam tentando manter a praça, postou uma mensagem em seu site que dizia mais ou menos o seguinte: “Nos consigam 100 máscaras contra gás e tomaremos a praça de volta”. A população auxiliou e, de alguma maneira, a Çarsi conseguiu as tais máscaras. Como um pequeno pelotão, dirigiram-se até a praça e tocaram o terror na polícia! Isso mesmo, os policiais apanharam mais que macaco quando entra por engano na jaula dos leões. Correram a polícia da praça e foram ovacionados pelas pessoas. A população, ao ver o que ocorreu, criou mais coragem e tomou de vez a praça. E a parte mais interessante de todas: vários torcedores dos outros times, inclusive de torcidas organizadas, juntaram-se aos que lá estavam para defender o espaço que consideravam como seu. Mesmo malucos que se matam por futebol conseguiram achar uma causa comum e lutaram lado a lado em prol dela. Várias imagens mostrando a cena surreal correram o mundo, inclusive com os torcedores abraçados. O governo turco, ao ver a força criada por conta disso, resolveu retirar a polícia da praça e trancar o projeto.
Em um canto do planeta onde temos de aguardar mais de cinco meses para liberar um moderníssimo estádio por conta de picuinhas clubísticas, ver este tipo de situação mostra o quão tacanhas são estas atitudes. Enquanto na distante Turquia inimigos se unem em prol do bem comum, aqui a situação é inversa. Ainda assim, após muitas lutas ingratas, finalmente teremos novamente jogo na Arena com a Geral liberada. Que a força da torcida possa mostrar aos míopes o quanto se perdeu durante este tempo. E principalmente quão pequenas são suas atitudes e suas mentes.
Na Turquia, adversários se unem por objetivo em comum. |
Saudações Imortais