7 de setembro de 2014

Ide, espalhai a verdade!

Caros

Todos estão a par do injusto, incorreto e ilegal julgamento que sentenciou o Grêmio a uma pena que não lhe cabia na semana que passou.
Já transcrevemos aqui algumas palavras a respeito do ocorrido. Desta vez, contudo, estamos indo além. Diferentemente dos órgãos de imprensa, que apelam para o sensacionalismo barato e sem fundamento, o Imortal Tricolor solicitou o parecer técnico e jurídico de dois gremistas que laboram no ramo jurídico e possuem notável saber a respeito do tema.
Tiago Mallmann Sulzbach é Juiz de Direito e Rogério Souza Couto é Defensor Público. Ambos são gremistas e leitores do blog. O que, por óbvio, não está influenciando no parecer técnico com o qual ambos nos brindam aqui.
Recomendo a todos lerem com atenção este post. Mais do que isso: ide e espalhai a verdade a todos aqueles que encontram-se cegos por conta do clamor dos incautos.
Saudações Imortais

Daniel Matador

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O que Deveria Estar em Julgamento?

            1.         O Daniel Matador me convidou para escrever algumas linhas sobre o que a Terceira Comissão Disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Desportiva  decidiu.  Óbvio que aceitei, até porque sou leitor do Blog há muito tempo. Vamos tentar resumir a discussão jurídica em termos o menos entediantes possíveis.
                        No Direito, a melhor forma de iniciar um debate sobre qualquer coisa é observar o que diz a Constituição e a Lei a respeito. Sobre o que nos informa a Constituição da República, na quarta-feira passada já pude manifestar o que penso sobre o assunto na Zero Hora, em artigo conjunto com o amigo Rogério Couto. Remeto-os para lá, até mesmo porque os auditores a ignoraram solenemente e, assim, até mesmo fugiria do nosso objetivo aqui.
                        Logo, este texto será sobre o que estava em julgamento. Ou sobre o que deveria estar. E, ao contrário do que se imagina, não era o Grêmio, mas sim o art. 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva o grande objeto da controvérsia. Assim está descrito o comando legal:

“Art. 243-G. Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
PENA: suspensão de cinco a dez partidas, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de cento e vinte a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
§ 1º Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de prática desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
§ 2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

§ 3º Quando a infração for considerada de extrema gravidade, o órgão judicante poderá aplicar as penas dos incisos V, VII e XI do art. 170. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
           
             2.        A primeira pergunta que salta aos olhos é: de quais fatos que o Grêmio estava sendo acusado afinal?
                        Diz-se isso, porquanto o goleiro Aranha foi vítima, em tese (lembrando que não há condenação passada em julgado), do crime de injúria racial, previsto no art. 140, § 3º, do CPB, que prevê “Injuriar alguém (...) utilização de elementos referentes à raça, cor, ernia, religião, etnia ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência..”
                        Ressalto que o crime é injuriar alguém, ou seja, é direcionado a um indivíduo determinado.
                        Outra é a disposição legal do crime de racismo, que não é direcionado a um indivíduo específico, mas tende a atingir a raça, a cor, a etnia, a religião ou a origem de um número indeterminado de pessoas. Vejamos o que diz o art. 20 da Lei nº 7.716/89“Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.”
                        O crime de racismo não está em questão, apesar de, insistentemente, ser suscitado nos meios de comunicação como se estivesse.

3.            Até aqui foi chover no molhado.
                        Porém, a grande questão é que a legislação esportiva é muito clara ao estabelecer que não pode ser imputado ao Grêmio ou a qualquer outro clube de futebol a prática do “ato discriminatório” do art. 243-G se o fato foi praticado individualmente, como no caso envolvendo o arqueiro Aranha.
                        Tão clara que fez muitos torcedores incautos – este que vos escreve, inclusive – acreditar que o “julgamento” seria de absolvição.
                        Aqui eu poderia invocar inúmeros princípios de Direito e até mesmo usar outros meios eruditos para demonstrar a minha inconformidade com o que foi decidido.
                        Não o farei.
                        A força que os auditores necessitaram fazer para ignorar os argumentos do Grêmio neste particular foi tão grande que, simplesmente, eu tentarei explicar qual é o gravíssimo problema da decisão enumerando o que consta da Lei Esportiva.
                        E, creio, isto bastará.

4.            Diz o § 1º do art. 243-G do CBJD:
 § 1º Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de prática desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
                        Portanto, para termos a responsabilização do clube, o ato discriminatório precisa de três elementosconcomitantes, ou seja, precisa ele ser:
1) praticado simultaneamente;
2) por considerável número de pessoas;
3) vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva.
                        Logo: mesmo se o ato discriminatório existir, mas não for praticado simultaneamente OU por consideravelmente número de pessoas OU vinculadas a uma mesma entidade esportiva, não existirá possibilidade de punição do clube.
                        Sendo repetitivo:
                        1) o ato discriminatório simultâneo praticado por poucas pessoas não permite a punição do clube.
                        2) o ato discriminatório praticado por considerável número de pessoas, porém não simultâneo, igualmente não autoriza a punição do clube.
                        Vejam que eu afirmei que a legislação esportiva não permite a punição do clube nesses casos. É evidente que qualquer ato discriminatório permite a punição individual de quem o praticou. Em qualquer hipótese e local, aliás.
                        Repito: é a Lei Esportiva que assim determina e foi ela a aplicada nos ONZE outros casos sumetidos ao STJD nos oito meses deste ano de 2014. 

            5.         E para quem frequenta estádios de futebol fica bastante clara a intenção da Lei: um ato praticado “simultaneamente”, por “considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade” nada mais é do que o juridiquês para os cânticos que toda a torcida de clube de futebol tem.
                        Em síntese: o art. 243-G, §1º, do CBJD pretende punir o clube por eventuais cânticos racistas que suas torcidas eventualmente entoem.
                        Bingo!
                        Este é o objetivo da legislação, que não é nem nunca foi punir o clube por ações individuais de quatro ou cinco torcedorespor mais abjetos que estes sejam.

            6.         E por estas razões é que não parece juridicamente compreensível a decisão da Comissão Disciplinar, pois o Grêmio não estava em julgamento por cânticos racistas de sua torcida. Isto não constava da denúncia e, portanto, não poderia o Grêmio ser condenado por algo de que não fora acusado.
                        Estava em julgamento a injúria racial que vitimou o goleiro Aranha e que assim foi praticada por, no máximo,quatro pessoas, o que, aliás, nunca foi negado pelos auditores em seus votos.
                        Neste particular, a todo momento os auditores repetiam que os atos discriminatórios estavam comprovados e partiam para as suas conclusões condenatórias. Contudo, como visto e salvo melhor juízo, tão só a prova dos atos discriminatórios serve apenas para a condenação individual dos envolvidos.
                        Para a punição do Grêmio, seria necessário que estes atos fossem praticados “simultaneamente” e por“um número considerável de pessoas” em algo que, no mínimo, se assemelhasse a um cântico de torcida, como visto, o grande objetivo punitivo do § 1º do art. 243-G do CBJD. 
                        Concluindo:
                        1) quatro pessoas não podem ser consideradas um “número considerável” em um universo de 30 mil (10 ou 20 também não!);
                        2) Não houve qualquer referência ou prova da simultaneidade dos agressores individuais ao realizar as injúrias;
                        3) E não existiu absolutamente nada, nem mesmo parecido, com um cântico de torcida com teor racista (tanto que sequer o árbitro ouviu algo a respeito), tudo a revelar que não se configurou a hipótese legal de punição do Grêmio no lamentável episódio envolvendo o goleiro Aranha (§ 2º do art. 243-G do CBJD).
                        E, como a única hipótese legal de punição institucional do Grêmio não se configurou, considerando, ainda que a “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (art. 5º, inciso XLV, da Constituição da República) – e, assim, o Grêmio não poderia ser culpável por fato imputável a terceiros –, respeitado o devido processo legal, apenas punições individuais seriam cabíveis no caso para a reparação da injúria racial, ou, quando muito, a pena econômica de multa do § 2º do art. 243-G do CBJD, até então o padrão jurídico adotado em todo o STJD nas onze situações análogas julgadas neste ano de 2014.
                        O Grêmio está muito bem assessorado e tudo o que aqui se disse já foi debatido no processo, como se pode ouvir das brilhantes sustentações orais dos advogados do nosso Tricolor na transmissão pelo rádio. Se o julgamento mantiver-se dentro da legalidade, é muito possível acreditar em reforma da decisão da Comissão no recurso ao Pleno do STDJ.
                        Enfim, espero ter esclarecido ao menos parte do imbróglio aos amigos gremistas.
                        Saudações tricolores!           


Tiago Mallmann Sulzbach
@tiagosulzbach

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Pão e Circo!

Durante a semana escrevemos no jornal Zero Hora artigo examinando questões eminentemente jurídicas relacionadas ao julgamento que o Grêmio estaria submetido no Superior Tribunal de Justiça Desportiva

Como se viu do julgamento realizado na tarde de quarta-feira, um verdadeiro circo se formou! Mas o mais interessante é que os palhaços não estavam no palco, mas, sim, estavam na audiência das rádios que transmitiam ao vivo o julgamento e nas redes sociais, acompanhando, apreensivos, o drama que se passava.

No picadeiro haviam pavões, preocupados, ou nem tanto, como se viu depois, com suas imagens, pois mais uma vez eram mais notícia do que o futebol, a verdadeira paixão nacional!

Como já imaginado por muitos, a decisão já estava tomada antes de iniciado o julgamento, tanto que se viu verdadeiros inquisitores questionando não só o Presidente Koff, como os árbitros da partida, a fim de que dissessem aquilo que confortasse o juízo condenatório!

Mas o pior: não conseguiram!

Juridicamente a decisão não se sustenta!

A vítima do ato racista não compareceu ao julgamento, utilizando-se como prova uma entrevista sua dada ao programa não mais jornalístico, mas de variedades, Fantástico, da Rede Globo!

Ora, um programa de variedades sempre irá buscar o sensacionalismo, para vender mais, diferentemente do jornalismo sério e responsável! E o julgamento que se pretendia sério já deixa de ser a partir deste momento!

Mas não foi só isso!

O árbitro e seus auxiliares, ao serem  inquiridos, como muitos devem lembrar, afirmaram que NÃO viram insultos racistas no momento que estes teriam acontecido, motivo pelo qual deixaram de relatar tais fatos em súmula (fizeram adendo após em razão da repercussão na mídia dos fatos).

A propósito, aliás, o artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva prevê que para o clube ser punido por supostos atos racistas de sua torcida (não de injúria racial) devem estes decorrer se um número considerável de torcedores.

Fica a pergunta: se houvesse considerável número de torcedores não teriam os árbitros identificado tal situação?

Mais um questionamento exsurge: Em que local dos autos os auditores encontraram elementos a confortar a tese do considerável número de torcedores?

Este, a propósito, é outro aspecto da, digamos, estapafúrdia decisão.

Vige também na Justiça Desportiva brasileira o sistema da persuasão racional, onde o julgador tem a liberdade de decidir, conforme sua convicção, desde que fundamentada na prova dos autos. Isto é dizer, deve o julgador apontar as provas que justificam a decisão tomada!

Mas não foi o que se viu/ouviu/leu do julgamento. Pelo contrário, além das provas não confortarem o "considerável número de pessoas", embora o relator, acompanhado por seus pares tenha dito que sim, eles sequer demonstraram onde, em que elemento nos autos constava e levava eles à conclusão acerca da presença desta prova. Apenas ouviu-se dizer que não eram apenas 4 torcedores... Ou seja, ficou o "dito pelo não dito"!

Ainda há que se falar em desproporcionalidade da decisão, seja em vista de precedentes do mesmo ano de 2014 (São Bernardo multado em R$ 15.000,00 por ofensas a jogador do Paraná Clube, e só, sem banimento, exclusão ou perda de mando de campo, por exemplo), seja em razão do alegado "caráter pedagógico da pena"!

O julgador está limitado pela lei ao decidir, e dela não deve se afastar! A exclusão, no caso em questão, é pena máxima, que só deve ser aplicada quando gravíssimo o caso (cabe lembrar que nem mesmo comprovado restou o "considerável número de torcedores") ou em caso de reincidência (esta só ocorre quando já condenado definitivamente por fato semelhante, o que incorre em relação ao Grêmio - o caso Paulão, ofensas proferidas no GREnal de fevereiro/2014 ainda pense análise de recurso).

Logo, nem o fato, nem antecedentes, nem mesmo um suposto "caráter pedagógico" justificavam pena máxima, como aplicada.

Enfim, encerrado o julgamento, com juízo condenatório, o Grêmio e toda sua torcida, não apenas os envolvidos, foram taxados de racistas.

Mas o dia ainda não havia terminado! Para culminar, a noite, pelo menos de certa forma, desmascarou-se a hipocrisia do tribunal, por um de seus auditores, Ricardo Graiche!

A torcida do Grêmio, inconformada com a injustiça a que estava submetida, buscou nas redes sociais perfil de alguns auditores e, com surpresa até mesmo, descobriu que um daqueles que havia condenado o Clube tinha diversas postagens de cunho racistas! Imagens graves, que devem ser repudiadas por todos (e são)!

Demagogia e hipocrisia é a certeza que se tem de tal conduta! E por essas, e também pela injustiça da decisão, deve o Grêmio, sim, buscar o recurso para reverter a exclusão!

Agora caberá ao pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva julgar recurso a ser interposto pelo Grêmio!

Que estes argumentos expostos de maneira simples, e outros tantos, sejam utilizados por nossos advogados a fim de reverter a decisão e fazer, enfim, Justiça!
Rogério Souza Couto
@rsouzacouto