13 de julho de 2015

Daniel Matador - O Olho do Tigre



"Quando nós lutamos, você tinha olhos de tigre, tinha essa fome. Tem que se recuperar e, para isso, tem que voltar ao princípio. Talvez possamos nos recuperar juntos. Olho de tigre, cara!"
Apollo Creed, o treinador de Rocky no 3º filme da série.


O ano de 1982 foi marcante para a banda Survivor. Os integrantes receberam de produtores de Hollywood a encomenda de uma música sob medida para um filme que estava sendo produzido. Um tal de Rocky 3, protagonizado pelo astro Sylvester Stallone. A banda, que até aquele momento já havia produzido dois álbuns, era conhecida no mercado, porém só havia emplacado um hit, a canção “Take You on a Saturday”. Mas a tal música encomendada foi aquela que acabou tornando-se seu maior sucesso até hoje. Eye of the Tiger (O Olho do Tigre), a música tema de Rocky 3, foi listada pela VH1 como uma das 100 maiores músicas da história, além de ganhar um Grammy e ser indicada ao Oscar. Impossível não contagiar-se com seus acordes, principalmente antes de algum embate esportivo.

No filme, após sagrar-se campeão dos pesos pesados ao derrotar Apollo Creed e defender seu título por dez vezes, Rocky Balboa decide largar a carreira de pugilista. Mas, ao fazer o anúncio de sua aposentadoria, o campeão é insultado e desafiado por Clubber Lang, o então 1º do ranking, que ansiava por enfrentar o campeão. No dia da luta, durante uma discussão entre ambos, o treinador de Rocky, Mickey, acaba tendo um ataque cardíaco. Rocky fica muito abalado e sofre uma derrota humilhante para o brutal Clubber Lang. Depois da luta, Mickey morre e Rocky entra em depressão. Contudo, seu antigo rival Apollo Creed oferece-se para ajudar Rocky e o convence a treinarem juntos, a fim de que ele retome o título de campeão mundial. Nem sei por qual motivo escrevi a sinopse deste filme. É obrigação de qualquer ser humano assisti-lo. E vibrar com Eye of the Tiger durante o treinamento de Rocky e Apollo. Aliás, a título de curiosidade: Eye of the Tiger foi a música que utilizei em minha formatura na universidade.

Pois quase uma década após o estouro mundial do olho do tigre, um felino homônimo cruzou o caminho do Grêmio. E não estamos falando da Tigre, a Torcida Independente Gremista, uma das torcidas organizadas que frequentava o Olímpico até o início dos anos 90. Logo após sagrar-se como o campeão da primeira Copa do Brasil, em 1989, o tricolor fez no ano seguinte uma campanha onde liderou durante quase todas as rodadas do Campeonato Brasileiro e pontuou mais que o campeão. Mas acabou parando no São Paulo de Telê Santana, naquele que seria durante os dois anos seguintes o maior time do futebol brasileiro.

Só que 1991 parecia ser o ano onde aquele pequeno revés seria corrigido. O técnico Evaristo de Macedo havia deixado o comando e o time gremista iniciava a Copa do Brasil daquele ano capitaneado pelo conhecidíssimo Cláudio Duarte, que havia erguido o troféu de campeão do mesmo torneio pelo Grêmio dois anos antes. Na primeira fase, duas vitórias sobre o Auto Esporte, da Paraíba (1 a 0 fora e 2 a 0 no Olímpico). Na fase seguinte, já então oitavas-de-final, encarou o Fluminense de Feira de Santana, coincidentemente vencendo com os mesmos placares da fase anterior (1 a 0 fora e 2 a zero no Olímpico). Nas quartas-de-final, o técnico já não era mais Cláudio Duarte. Dino Sani assumiu a casamata e enfrentou de cara o primeiro adversário tradicional no torneio, o Corinthians. No jogo de ida, um empate em 1 a 1 no jogo de ida no Pacaembu. Na volta, 2 a 1 no Olímpico. Nas semifinais, um empate no jogo de ida no Couto Pereira, contra o Coritiba, em 1 a 1. No jogo de volta, vitória simples por 1 a 0 e a classificação para a final contra o Criciúma. O clube, carinhosamente chamado por seus torcedores de tigre, entrava na história do Grêmio.

Na Copa do Brasil daquele ano o tricolor sempre decidiu a vaga em casa, com o segundo jogo ocorrendo no Olímpico em todas as fases. Pois justamente na fase final a partida decisiva seria na casa do adversário. Algo que talvez não assustasse, não fosse o comandante do tigre catarinense o maior especialista em mata-matas da história: um tal de Luiz Felipe Scolari, que até então não havia ganho ainda o apelido de Felipão. O gringo armou uma retranca violenta em Porto Alegre e achou um gol logo aos 15 minutos do primeiro tempo, montando a partir daí um ferrolho até o fim do jogo. Só aos 38 do segundo, e apenas através de um pênalti, é que o Grêmio empatou. Mas aí Felipão fez aquilo que mais sabe e que consagrou-o muitas vezes: jogou com o regulamento embaixo do braço na final em Criciúma. Botou os 11 jogadores na frente da área e não permitiu que o placar fosse aberto, o que garantiu até hoje o maior feito da história do futebol catarinense e a participação do Criciúma na Libertadores da América. Era o tigre aprontando pra cima do tricolor.

Mas nesta terça-feira a história é outra. De diferente, apenas que o Criciúma não saiu daquele único título conquistado. Já o Grêmio ganhou tudo e mais um pouco depois daquilo. Na própria Copa do Brasil, onde acabou tornando-se o maior vencedor e o clube com o maior número de finais disputadas. Muito disso na base do olho do tigre, a famosa raça, alma, imortalidade ou qual seja o nome que muitos chamem. Alcunhas à parte, nada mais é do que a vontade de vencer e a indignação em cima de um resultado adverso. O tricolor ficou conhecido por ter times que não admitiam perder. Muito disso veio através do próprio Felipão, que havia mostrado já daquela vez, quando foi campeão em cima desse mesmo Grêmio, e depois replicou estes princípios por aqui.

E hoje, na casamata gremista, está um discípulo e ex-jogador dele. Roger devolveu ao clube uma entrega de jogo que muitos haviam pensado que se perdera na poeira do tempo. Mas não, ela esteve sempre ali. No pé da trave, na marca da cal, no concreto da arquibancada. No barro do calção, no sangue da camisa, no couro da chuteira. Só faltava alguém abrir os olhos dos incautos e mostrar para todo mundo que o Grêmio estava de volta. A casa agora é a Arena. Mas o espírito está voltando a ser igual ao do velho Olímpico.

O adversário desta terceira fase da Copa do Brasil é o mesmo Criciúma que mostrou lá em 1991 como vencer este torneio. É o mesmo tigre que deu a Felipão seu primeiro grande título e abriu as portas para que, pouco depois, ele desembarcasse no tricolor e vencesse tudo, tendo Roger como seu comandado durante todo o tempo. Novamente, o primeiro jogo será aqui e o segundo será lá em Santa Catarina. Parece até que estamos tendo que voltar ao princípio para recuperar aquela fome que já tivemos. E, desta vez, o tigre que nos desculpe. Assim como Rocky, teremos de bater sem dó e tomar de volta o que é nosso por direito. O olho do tigre é nosso. E o deles vai ficar roxo.

Saudações Imortais