“Muitas vezes, a equipe pode não ser a melhor tecnicamente, mas que tenha alma. EU QUERO ALMA!”
Felipão, técnico do Grêmio, falando e batendo no peito durante a entrevista coletiva desta semana.
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No Egito antigo o povo era politeísta, ou seja, adorava vários deuses. Um dos mais expressivos deuses do panteão egípcio era Anúbis, o deus com corpo humano e cabeça de chacal, conhecido como o deus da morte. Uma crença da época relatava que Anúbis depositava a alma daquele que morria em um dos pratos de uma balança e uma pena no outro. Caso a alma fosse livre de pecados, seria mais leve que a pena e o falecido mereceria entrar no paraíso. Se, contudo, fosse mais pesada, era porque estaria com pecados. Neste caso seria devorada por um deus monstruoso. Esta lenda deu origem à ideia de que a alma tem peso. Séculos depois, em 1907, o médico americano Duncan MacDougall tentou comprovar cientificamente essa suposição. Colocou pacientes em estado terminal em uma cama com balança. Quando os pacientes morriam ele relatava uma perda de peso de 21 gramas. Independentemente da credibilidade do experimento de MacDougall, criou-se a crença de que a alma possui 21 gramas.
Ao final do ano de 1996, o Grêmio começou a perder sua alma. Após mais de três anos consecutivos de história e títulos, Felipão deixava o clube para dar início a uma das mais vitoriosas carreiras de um treinador de futebol no Brasil. Ele havia assumido um grupo alquebrado e resgatou a alma perdida em algum tempo infeliz. Impregnou o Grêmio com esta chama imortal, não deixando que ela deixasse mais o clube enquanto ele ali estivesse. Mesmo após sua saída, a alma permaneceu durante algum tempo nas imediações da Azenha. Tanto é que o Grêmio conquistou de forma épica o Tricampeonato da Copa do Brasil em 1997, quando ele não mais estava lá. Mesmo com o comandante ausente, a alma ainda teimava em não deixar o corpo ao qual pertencia.
Mas uma entidade que se descuida continuamente tende a ficar doente. Cumulativos erros na condução de sua jornada podem fazer com que a alma abandone o corpo, mesmo que este ainda viva. Quantas vezes não vemos uma pessoa ou mesmo um jogador de futebol e falamos “ele parece que não tem alma”? Nada mais é do que a constatação de uma verdade. Para que a alma permaneça e se fortaleça, não basta apenas caminhar sobre a Terra. É necessário agir todos os dias como se estivéssemos sempre na iminência de perdê-la. Não entrar em campo já com espírito de perdedor. Não se deixar abater por um gol tomado. Não desistir de lutar enquanto o juiz não apitar o final do jogo.
Era isso que o Grêmio de Felipão fazia no passado. Não importava que enfrentássemos supertimes ou timecos varzeanos. Todo jogo que o tricolor fazia sob o comando do gringo nos anos 90 tinha ares de confronto épico. A luta era uma constante e a entrega era uma lei. Se tomávamos um peitaço, retribuíamos com dois. Se um jogador levasse uma entrada forte, na seguinte dava um carrinho. Se um juiz começasse a roubar, todo o grupo ia pra cima, sem se deixar intimidar. E a alma copeira do Grêmio forjou-se e fortaleceu-se sob o comando de Felipão.
Neste domingo de agosto de 2014 a Arena viverá um dia histórico. Após quase duas décadas, a alma que havia abandonado o clube ameaça voltar novamente. Ainda receosa, sem saber se aqueles que hoje envergam o manto tricolor são dignos de serem abençoados com seu dom. Mas uma coisa é certa: o homem que a trouxe daquela vez está aí novamente. Para mostrar às gerações mais novas o que é a alma imortal do Grêmio. Não importa se a equipe será melhor tecnicamente. Isso nunca importou. O gringo está de volta e já mandou um recado, batendo no peito: “EU QUERO ALMA!”
O próprio Felipão convocou a torcida para que se faça presente na Arena. Quem lá for, poderá comprovar o início de um novo tempo. E ver que o Grêmio terá outro peso com ele no comando. Será, no mínimo, 21 gramas mais pesado.
Saudações Imortais