9 de junho de 2015

Daniel Matador - Juizado do torcedor. Do torcedor?



Caros

O post com o relato do Cônsul de Encantado acabou tendo uma repercussão muito grande. E não poderia deixar de ser, dada a relevância do assunto. Como, diferentemente da ivi, aqui no blog nós corremos atrás dos fatos e também do embasamento das teses, estamos postando aqui um material totalmente diferenciado: o parecer técnico de Rogério Souza Couto, Defensor Público e que atuou durante cerca de 2 anos no Juizado do Torcedor. O resumo que aqui segue tem de ser lido, assimilado e difundido. Sem a lorota da ivi e dos tendenciosos órgãos "responsáveis" que fizeram a coisa chegar ao lamentável estágio em que está, onde SOMENTE a torcida gremista paga o pato por tudo o que ocorre de errado nos estádios brasileiros. É um material soberbo.

Saudações Imortais

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Juizado do Torcedor, Cônsul e Medidas Cautelares Preventivas
 
A par dos resultados que nosso time tem apresentado – em que pese Roger tenha demonstrado que é possível tirar algo a mais do atual grupo, e ainda esperemos reforços – as semanas têm sido, digamos, chatas, para nós torcedores, em razão de decisões administrativas (com certo "ar" de decisão judicial) que dão a impressão de não deferir tratamento igualitário em situações semelhantes, que despertam um sentimento de injustiça.

Após o fatídico jogo da final do Gauchão e as confusões que dele decorreram em termos de torcidas (pedradas quando torcedores do Grêmio chegavam ao estádio, acesso sem controle de ingressos, por portão pequeno, cadeiras quebradas e arremessadas, entre outros), fomos surpreendidos quando a mídia comunicou que, através de uma decisão de caráter cautelar e preventivo, estavam proibindo que a torcida gremista ingressasse em qualquer estádio cuja segurança era feita pela Brigada Militar com faixas e materiais alusivos a torcidas organizadas do Grêmio.

Pois bem, juridicamente falando, e em âmbito penal - até porque a investigação que se noticiava era de cunho criminal (apurava-se quem teria depredado patrimônio alheio) - as medidas cautelares, que têm cunho preventivo, são admitidas em nosso sistema (artigo 282, inciso I, do Código de Processo Penal), especialmente nos casos em que há a “necessidade para aplicação da lei penal, para investigação ou a instrução criminal”.

Como exemplos de cautelar, podemos citar a prisão preventiva, a proibição de comparecer a determinado local, o recolhimento à residência à noite, entre outros.

Normalmente, quando se trata de uma cautelar para assegurar uma investigação criminal - COMO NO CASO -, ela é deferida para EVITAR QUE OS INVESTIGADOS DESTRUAM EVENTUAIS PROVAS QUE POSSAM COMPROMETER SUA SITUAÇÃO, prejudicando assim a instrução processual. Tais cautelares sempre devem atentar aos fatos em investigação e ter em vista as pessoas investigadas.

Porém, com surpresa – OU NÃO – foi anunciado que deferida contra A TORCIDA DO GRÊMIO algo como uma cautelar preventiva, contra TODOS os torcedores gremistas que viessem a frequentar a Arena do Grêmio, e não somente àqueles que ocupam espaço da Arquibancada Norte da Arena, tradicionalmente conhecido como espaço da Geral. Através de tal decisão estavam proibidas faixas, trapos, bandeiras e instrumentos alusivos a qualquer das torcidas organizadas do Grêmio.

Restava uma dúvida a ser esclarecida: quem emitiu essa decisão cautelar preventiva? A Brigada Militar, o Ministério Público ou o Juiz de Direito titular do Juizado do Torcedor???

Não resta mais.

No dia 5 de junho, o conselheiro do Grêmio Alexandre Aguiar informou em sua conta no Twitter contato com membro do Ministério Público, da Promotoria do Torcedor, questionando acerca desta punição preventiva e este teria dado orientação no sentido de contatar a Brigada Militar.

Não satisfeito com exposição do representante do MP, quando obteve acesso, o ilustre Conselheiro divulgou ata de reunião onde estavam presentes representantes das torcidas Geral do Grêmio, Torcida Jovem, Brigada Militar, Ministério Público e Poder Judiciário onde decidiu-se, unilateralmente, por óbvio, que "até o final da apuração da autoria dos danos causados no estádio Beira-Rio no Grenal da final do Campeonato Gaúcho de 2015 todas as torcidas organizadas do Grêmio preventivamente não poderão adentrar aos estádios onde a Brigada Militar faz policiamento portando qualquer tipo de material alusivo à torcida".

A ata desmente totalmente as manifestações das autoridades na imprensa.

Ora, o direito penal visa punir pessoas que cometem atos ilícitos, mas para que seja possível tal punição é necessário que se demonstre a autoria do fato. E esta autoria deve ser certa. Inexiste em nosso sistema penal, para fins punitivos, a autoria indeterminada.

Em sendo indeterminada a autoria, a solução sempre deve ser a da absolvição. O próprio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já decidiu assim no conhecido caso dos banheiros químicos:

“DISTÚRBIOS PROVOCADOS POR TORCIDA ADVERSÁRIA EM ESTÁDIO DE FUTEBOL ¿ IMPOSSIBILIDADE DE APONTAR OS VERDADEIROS CULPADOS ¿ PROVA FOTOGRÁFICA ¿ CRIME DE MULTIDÃO. Distúrbios provocados por um número significativo de torcedores visitantes, em estádio de futebol, resultando em queima de banheiros químicos, destruição de grades e instalações. Impossibilidade quase absoluta de determinar-se a autoria, tendo em vista que a prova fotográfica mostra um mar de rostos tomados pela emoção resultante do evento futebol, todos autores potenciais, a maioria não denunciada. Quando o crime é obra de uma multidão, não sabemos como encontrar os verdadeiros culpados e não podemos puni-los. Scipio Sighele ¿ multidão criminosa. Apelação improvida.” (Apelação Crime Nº 70026687814, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gaspar Marques Batista, Julgado em 13/11/2008) (grifou-se)

E essa medida "de caráter preventivo" contra TODOS OS TORCEDORES DO GRÊMIO?

Não se pode dizer que tal medida esteja contribuindo para a investigação dos fatos, até porque QUAL PREJUÍZO À INVESTIGAÇÃO SOBRE FATOS OCORRIDOS NA FINAL DO GAUCHÃO pode advir da presença de torcedores com faixas e instrumentos alusivos a torcidas organizadas??

Não há prejuízo. Não há!!!

Por isso afirma-se, sem sombra de dúvidas, que tal decisão não tem qualquer caráter cautelar, preventivo, que vise assegurar a produção de uma prova, mas, sim, visa tão somente uma punição, e uma PUNIÇÃO SEM A EXISTÊNCIA DE DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA, direitos constitucionalmente assegurados a qualquer pessoa que possa vir a responder um processo criminal.

Mas no caso a "decisão preventiva" da Brigada Militar, do Ministério Público e do Juiz de Direito do Juizado do Torcedor tem um fim somente: punir as torcidas organizadas do Grêmio e, via interpretação ampliativa do que fora definido em ata, punindo, igualmente, TODOS OS TORCEDORES QUE FREQUENTAM A ARENA DO GRÊMIO.

PIOR, UTILIZA-SE DO PROCESSO PENAL PARA UMA PUNIÇÃO COLETIVA, sob argumento de que se pretende investigar fatos. PUNE-SE TODOS OS QUE FREQUENTAM O ESTÁDIO, ainda que sequer sejam vinculados a qualquer das torcidas organizadas.

E na linha da punição geral e irrestrita, na última quarta-feira, o Cônsul do Grêmio na cidade de Encantado foi, literalmente, preso, em razão de portar uma faixa que dizia “Encantado é Grêmio” (o relato você pode acompanhar aqui: http://blogremio.blogspot.com.br/2015/06/daniel-matador-inadmissivel-inaceitavel.html

Pois bem, o signatário do presente é defensor público estadual, tendo atuado por cerca de dois (2) anos no Juizado Especial Criminal junto a Estádios de Futebol, entre os anos de 2008 e 2010, e por diversas vezes deparou-se com situações como a tal, seja no Estádio Olímpico, seja no Beira-Rio.

O que de fato houve foi, sim, abuso de autoridade por parte de agentes da Brigada Militar para com o Cônsul gremista. Ora, a ata obtida pelo conselheiro gremista é clara no sentido de que estavam proibidas faixas, instrumentos e quaisquer materiais alusivos a torcidas organizadas; no entanto, como já referido, nenhuma menção havia na bandeira levada pelo cônsul, que apenas dizia "Encantado é Grêmio".

A narrativa do Cônsul sobre os fatos demonstra que o primeiro "fato criminoso" a ele imputado seria o crime de desobediência, que ocorre quando a pessoa desobedece ordem legal emanada por funcionário público (artigo 330 do Código Penal), in casu, sob a ótica da Brigada Militar, o desatendimento à ordem de proibição de ingresso com bandeiras quando, em verdade, a proibição era de ingresso com elementos alusivos a torcidas organizadas. Caracterizado está o abuso da autoridade (o policial militar), pois não poderia ele proibir o ingresso de qualquer torcedor portando aquele tipo de faixa (não havia proibição alguma neste sentido!!!).

Os demais fatos imputados (desacato e resistência) são decorrentes do primeiro, isto é dizer, somente ocorreram em virtude da ocorrência do primeiro fato, sendo que como o primeiro se mostra ilegal, justo e correto que os demais também o sejam, uma vez que eventual discussão que tenha ocorrido se deu em razão da inconformidade do torcedor com a arbitrariedade a que estava sendo submetido.

Mas o abuso de autoridade não se restringiu somente à abordagem e imputação dos fatos ao torcedor gremista, restando caracterizado pela sua manutenção algemado por todo o tempo em que esteve sob custódia da Brigada Militar e do Juizado do Torcedor como se uma pessoa autora de graves fatos criminosos. Ora, cabe destacar que os fatos tipificados ao cônsul/torcedor são de menor potencial ofensivo, tanto que direcionados e resolvidos pelo Juizado Especial Criminal.

Quando da ocorrência de fatos típicos como o presente, determina a Lei n. 9.099/1995, em seu artigo 69:

"Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.       
Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. (Redação dada pela Lei nº 10.455, de 13.5.2002))" (grifou-se)
  
Ora, se não se imporá prisão em flagrante, É ILÍCITA a conduta da autoridade policial de manter uma pessoa sob sua custódia algemada. Ela não está presa e, não estando com sua liberdade restrita (tais crimes não permitem tal situação, até porque o torcedor foi imediatamente levado e apresentado ao Juizado Especial Criminal), não pode ser algemado.

Configura, sim, abuso por parte das autoridades envolvidas.

Mas, infelizmente, tal situação não é nova e não ocorre somente no estádio do Grêmio, porquanto até nas bandas da Avenida Padre Cacique a atuação da Brigada Militar em fatos como estes (desacato, desobediência e resistência) era similar.

Quando atuava no Juizado Especial Criminal, o signatário, por diversas vezes, vivenciou tais situações, tendo, por muitas oportunidades, entrado em conflito com agentes da Brigada Militar e até mesmo membros do Judiciário e do Ministério Público para tentar evitar tais ocorrências. Em algumas situações obteve êxito, em outras não.

A circunstância de a conduta ser comum não a torna lícita e talvez - o que se espera - o ocorrido na última quarta-feira com o cônsul do Grêmio na cidade de Encantado sirva de alerta para todos os torcedores e, quem sabe, também para as autoridades, para que cessem as ilegalidades.

Para finalizar uma semana tensa, de injustiças administrativo-judiciais, porém, outro fato veio à tona, e este não especificamente envolveu a torcida gremista, mas que reflete, sim, no ânimo de nosso torcedor, e mostra que muitas vezes existem, infelizmente, dois pesos e duas medidas.

No último domingo pela manhã, no jogo realizado na cidade de Porto Alegre, houve novamente brigas envolvendo apenas torcedores do rival, sendo que as notícias da mídia guasca deram conta de necessidade de ressuscitamento do agredido, com uso de desfibrilador, em razão da severidade das agressões sofridas. Tais fatos ocorreram entre integrantes de duas torcidas organizadas do rival.

Qual não foi a surpresa, o Juizado do Torcedor (e não a Brigada Militar ou o Ministério Público isoladamente) proferiu decisão no sentido de punir apenas e tão-somente uma das torcidas envolvidas na querela, pois teriam sido identificados integrantes desta. Admite-se que talvez esta decisão, também de caráter cautelar, tenha sido justa, pois buscou preventivamente acautelar (ou punir?!?) apenas os envolvidos.

Por quê, então, no caso da torcida gremista, HOUVE UMA DECISÃO DE CARÁTER GERAL, ABRANGENDO TODO E QUALQUER TORCEDOR COM FAIXAS E INSTRUMENTOS ALUSIVOS A TORCIDAS ORGANIZADAS???

O caso é semelhante (na verdade, muito mais grave, pois configurou-se uma tentativa de homicídio, seja por dolo direto ou eventual) mas a decisão pareceu muito mais benéfica (ou até mesmo justa) para os lados de lá do que nas bandas do Humaitá.

TAL SITUAÇÃO, aliada a tudo o que se disse hoje, CAUSAM INDIGNAÇÃO!

O GRÊMIO É MOVIDO PELA PAIXÃO DE SEU TORCEDOR, e por ela deve lutar. Nós torcedores, igualmente, NÃO PODEMOS NOS ACOMODAR. Vamos fazer nosso papel, denunciando as injustiças, a fim de que cessem, fazendo-se JUSTIÇA quando esta venha a ser necessária.

Aparentemente, do que foi acima relatado, JUSTIÇA não tem ocorrido, mas, como dito, seja pelo GRÊMIO, seja por seu TORCEDOR, estamos certos que está ocorrerá!!!

Abraços tricolores.

Rogério Souza Couto
Defensor Público Estadual