10 de março de 2014

Estruturas provisórias, marketing e posse precárias

A reunião do MP com o co-irmão e o COL


Hoje foi um dia importante. O dia em que o Ministério Público do Rio Grande do Sul fez um movimento que mostra se fará seu papel ou jogará para a torcida. O MP se reuniu com o COL e com o SCI para falar sobre as estruturas provisórias. E o resumo da história está aqui:
O Ministério Público (MP) recomendou que o clube e a entidade arquem com os custos das estruturas temporárias do Beira-Rio para a Copa do Mundo de 2014. O órgão deu uma semana para que clube e COL apresentam uma solução que não envolva o uso de recursos públicos nas estruturas, como a obtenção financiamento privado.
Caso as duas partes sustentem que essa opção não é viável, terão de pagar pelo aluguel de qualquer bem público utilizado, tanto os equipamentos e estruturas já existentes nas administrações estadual e municipal quanto aqueles que eventualmente foram comprados com o dinheiro oriundo de isenções fiscais.  (...)
Inter e COL se mostraram surpresos com a manifestação do MP. Advogado e representante do clube na reunião (ao lado do presidente Giovanni Luigi), Eduardo Mariotti afirmou que ainda não há posicionamento oficial sobre as recomendações do MP. Integrantes da diretoria devem se reunir ao longo da semana para discutir o tema.
— Clube e Fifa ouviram a posição do MP que era inédita para nós até o momento. Vamos avaliar e ver o que podemos fazer para cooperar — resumiu Mariotti.
Um novo encontro deve ocorrer na semana que vem. Um dos representantes do COL na reunião, o gerente do escritório gaúcho da entidade, o ex-jogador de vôlei Paulão, afirmou que ainda não há uma posição oficial do COL sobre a manifestação do MP.
O promotor Nílson de Oliveira Rodrigues Filho, da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público, afirma que o MP tentará até onde for possível evitar o envolvimento de qualquer tipo de recursos públicos em estruturas temporárias para o Mundial. Apenas em último casos, para evitar o "mal maior", a não realização do evento em Porto Alegre, seria admitido o uso de recursos públicos oriundos de isenção de impostos.— Foi deixado claro a eles que só será possível a utilização desses recursos e de outros equipamentos públicos mediante posterior ressarcimento — explicou o promotor. (Fonte ClicRBS) 
O primeiro parágrafo é alvissareiro. O segundo já abre uma porta de saída, ou de entrada. Como assim pagar aluguel? Para quem? Quem vai estipular o valor deste aluguel? Como assim bens oriundos de isenções fiscais? Tanto quanto eu li, é proibido este tipo de projeto em ano de eleições. Vai ser fechado o olho para isto?

O bom da história é que o promotor que cuida do caso parece estar imbuído do propósito de fazer com que a lei seja cumprida. Certamente ele não vai querer carregar a pecha de ter cometido prevaricação só porque o assunto interessa ao seu clube de coração.

Um grande clube, aliás, que por mais esta razão não precisa usar dinheiro público tão necessário para causas mais nobres como saúde, segurança e transporte.
_____

A conta que não fecha


Mas eu tenho outra informação interessante que está sendo "esquecida" nesta discussão. Um jornalista insuspeito, porque identificado com o cô-irmão postou uma parte do contrato deste com a FIFA, e segundo ele no contrato está escrito o seguinte:
Em fevereiro de 2009 Fifa, Comitê Organizador da Copa (que no texto aparece como LOC) e Inter celebraram um contrato “relativamente ao uso e das facilidades do estádio para a competição final da Copa”.
O Inter aparece como “Autoridade do Estádio” e concorda que a Fifa e o LOC terão “o controle operacional e substancial exclusivo de todas as salas, prédios, espaços e facilidades, e que a Fifa e/ou o COL têm o direito de fazer uso total e irrestrito de tais salas, prédios, espaços e facilidades a seu próprio critério e sem custos extras”.
Ainda: “A Autoridade do Estádio deverá garantir que o estádio seja entregue à Fifa e/ou LOC livre e limpo de toda a publicidade, marketing, promoção, mercadorias, identificação de marcas e identificação comercial, e livre e desembaraçado de todos os direitos de terceiros para realizarem qualquer atividade comercial no estádio (tais como operações de concessionárias, operações de hospitalidade), não menos do que 15 dias antes do primeiro jogo ou evento secundário que ocorrer no estádio… até dois dias depois”.
Um outro documento, onde o Comitê Organizador aparece como COL, registra: “A Fifa é a única proprietária de todos os direitos de marketing e direitos de mídia da competiçãoA Autoridade do Estádio concorda em abster-se de fotografar, filmar ou gravar quaisquer partidas e/ou eventos auxiliares, inclusive treinamentos oficiais de equipe, dentro do estádio…Deve também obter liberações de contratos em vigor para que o nome e/ou o logotipo do estádio sejam temporariamente alterados”.
Resumindo: 
  1. De 15 dias antes da Copa até dois dias depois TODO o estádio é da FIFA (e não do Brio).
  2. O estádio deve ser entregue a FIFA limpo de publicidade, limpo de identificação de marcas e limpo inclusive dos direitos de terceiros.
  3. A FIFA é a única proprietária de TODOS os direitos de marketing e direitos de mídia da competição.
Agora vamos fazer um exercício de lógica.
V. Sa. é dono de uma empresa e é chamado a colaborar com o estado, o país e, claro, com o cô-irmão para que não se inviabilize a Copa do Mundo em Porto Alegre. O preço é de R$ 30 milhões para cima. Lógico que V. Sa., que é um grande empresário e não um filantropo, vai pesar as vantagens do negócio para sua empresa.

- O que ganharei em troca? V. Sa. certamente perguntará.
- Poderei usar placas de publicidade? Será a segunda pergunta.
- Não. Dirá o Sr. Luigi. Só a FIFA pode fazer isto.
- Posso alardear na mídia?
- Não, dirá de novo o Sr. Luigi. Só a FIFA pode fazer isto.
- Posso pelo menos noticiar no facebook da empresa?
- Lamento mas não será possível. A FIFA poderá lhe processar.
- Posso pelo menos ganhar um par de ingressos para os jogos?
- Aí tem que ver com o Blatter. Só ele é quem decide.

Se o Brasil não fosse um país sério e onde todos cumprem a lei, se poderia pensar que restaria uma opção ao empresário. Ele poderia entregar, digamos, R$ 20 milhões para as estruturas provisórias e receber um recibo de, vá lá, R$ 30 milhões para abater no imposto. Mas neste país ninguém sonega e nem faz trampo. 
Então, a não ser que eu esteja muito enganado, este negócio não vai interessar nem ao gerente da rodoviária de Muçum.
_____

Assim caminha a humanidade


Mas nem tudo são flores.
Saiu há poucos dias a sentença de ação popular ajuizada contra o EPTC, o município e o SCI questionando a concessão os 4,3 hectares que foram dados de lambuja ao co-irmão por 20 anos mais 20.
Abaixo alguns destaques do relatório onde é feito breve resumo da defesa apresentada pelos réus. Notem o discurso geral de que o objetivo do ato não é "lucrar".

Há dois detalhes da maior importância:
  1. Como registrado no blog, não consta terem pago o aluguel e acolhido as crianças carentes, sequer o termo de concessão regulando isso foi assinado até agora.
  2. E nas plantas divulgadas por aí, sobre a área aparecem prédios, que imagina-se sejam o tal centro de convenções, hotel e torre de escritórios ou aptos.
Portanto, houve o caso da avenida que invadiu o estádio. Agora, incorporação imobiliária virará atividade benemerente de interesse social.

Mas vamos ao trecho da sentença:
"Citada, a EPTC oferta contestação, sustentando a inadequação da ação popular para o fim pretendido, por não ser meio hábil para contestar lei em tese. Alega não haver se falar em procedimento licitatório na medida em que a atividade lucrativa não é a motivação da Lei nº 10.400/08. Refere que o Sport Club Internacional, sociedade sem fins lucrativos, utilizará a área essencialmente na consecução de projetos sociais, em benefício de toda a comunidade, ao contrário do que ocorreria com uma empresa privada, que teria tão-somente a finalidade de lucro. Discorre acerca da inexistência de lesividade ao patrimônio público. Requer a improcedência da ação.

Citado, o Município de Porto Alegre apresenta contestação, tecendo considerações introdutórias acerca das avenças estabelecidas entre o poder público municipal e o Sport Club Internacional. Alega que a concessão, nos termos em que firmada, possibilitará a ampliação expressiva do número de crianças carentes acolhidas pelo Sport Club Internacional e indicadas pelo Município. Menciona que dos estádios existentes na cidade, o Beira-Rio foi o único considerado em condições de sediar os jogos da Copa do Mundo de Futebol, desde que atendidas algumas exigências da FIFA. Menciona alguns dos benefícios que advirão ao Município com a realização da Copa do Mundo. Aduz que o objetivo do Poder Público com relação à área não é a obtenção de lucro, mas a satisfação de interesse público decorrente de um uso social, referindo, por fim, que encontram-se presentes os pressupostos legais autorizadores da inexigibilidade de licitação, nos termos do artigo 25 da Lei nº 8.666/93. Requer a improcedência da ação.

Por sua vez, contestando, o Sport Club Internacional sustenta que o caso discutido nos autos trata de inviabilidade de competição. Refere que a mercantilista pretensão do autor, baseando-se unicamente na utilização do espaço como estacionamento, desconsidera a função social, educacional e cultural da concessão debatida. Requer a improcedência da ação."
Então tá. Se eu fosse advogado diria: data venia, nada mais a declarar. A não ser é claro, pedir vigilância. Muita vigilância.