Por Mílton Jung
São José 1 x 1 Grêmio
Campeonato Gaúcho – São Leopoldo(RS)
Havia oito jogos sendo disputados
simultaneamente e cada resultado poderia determinar o destino de um dos
times do Campeonato Gaúcho, nesta última rodada da fase de
classificação. Alguns já estavam garantidos, mas poderiam ficar mais
acima na tabela, o que daria vantagem no mata-mata que se inicia esta
semana. Outros ainda tinham chances de estar entre os oito
classificados. E uns poucos lutavam desesperadamente para escapar da
segunda divisão estadual. Na tela da televisão, enquanto assistia ao
Grêmio cumprir tabela, pois como estava garantido na próxima etapa
entrou em campo com time misto, a vinheta eletrônica surgia a todo
instante sinalizando a marcação de gol nas demais partidas. Surgiram com
frequência bem maior do que nas rodadas anteriores: 23 no total, 2,8
por jogo, acima da média da competição que é de apenas dois gols por
partida. Os gols se sucediam, a vinheta piscava e a todo instante, vindo
de algum lugar qualquer, uma voz parecia ressoar na memória:
“Tem gol!”
“Tem gol onde, Antônio Augusto?”
Era como se estivesse de volta aos meus
tempos de guri, em Porto Alegre. Uma época em que o rádio reinava quase
sozinho no futebol. À televisão era reservada apenas uma partida e mesmo
assim tirávamos o som para acompanhar a transmissão eletrizante dos
narradores do Rio Grande do Sul, uma escola que fez época na
radiodifusão brasileira. Por motivos óbvios, cresci ouvindo a Rádio
Guaíba, mas é importante lembrar que este hábito não era apenas meu e
por familiaridade com a emissora, era de boa parte dos gaúchos.
Vibrávamos com a precisão das descrições feitas de cada lance por vozes
que aprendemos a admirar. Havia comentaristas capazes de analisar
taticamente a disposição dos times e repórteres que não deixavam escapar
qualquer cena dentro e fora de campo.
“Tem gol!”
“Tem gol onde, Antônio Augusto?”
Este rápido diálogo, que se repetia
todas as vezes que algum gol havia sido marcado no planeta bola era uma
espécie de marca registrada daquelas transmissões. O bordão era
reproduzido por mim e por muitos da minha geração nas peladas de rua ou
nas acirradas disputas de jogo de botão para tripudiar sobre o time
adversário. Por trás da brincadeira, havia o reconhecimento a uma das
figuras mais importantes do rádio esportivo brasileiro: Antônio Augusto
dos Santos, o Plantão Esportivo. Era uma figura misteriosa para a
maioria dos ouvintes. Não ia aos estádios, não aparecia em público e não
se sabia para quem torcia (alguns de nós sabíamos). No entanto, era
capaz de nos contar cada gol feito em qualquer parte do mundo segundos
após a bola estufar a rede. Tive a oportunidade de vê-lo trabalhando
sentando à mesa do estúdio da Guaíba, na rua Caldas Junior, centro de
Porto Alegre. Em torno dele, uma quantidade enorme de aparelhos de rádio
Transglobe, fabricados pela Philco brasileira, que permitiam a sintonia
de emissoras à longa distância. Todos ficavam com o som relativamente
baixo até que um grito de gol surgisse. Antônio Augusto, com a rapidez
que o veículo exigia e a precisão que só os craques oferecem, logo
identificava o autor do gol e seus dados:
“Tem gol!”
“Tem gol onde, Antônio Augusto?”
Nos lugares em que os aparelhos de rádio
não alcançavam ou as emissoras não transmitiam, até onde lembro – e
quem lembrar mais, por favor, me conte – ele montava uma complexa rede
de informantes ou contava com precárias linhas telefônicas. Qualquer
esforço era válido para nos manter bem informados. Com esse apuro, nos
apresentou jogadores desconhecidos e equipes em ascensão, em um tempo no
qual o acesso a internet era inimaginável. Nos ensinou muita mais: sem
as tabelas eletrônicas da atualidade à disposição, colecionava gols,
placares, resultados e a participação individual dos jogadores. Com seus
arquivos implacáveis construiu a estatística do futebol mundial, pois
seus dados iam muito além de Grêmio e Inter, os times da redondeza. Além
de contar o gol, Antônio Augusto nos contava quantos gols o artilheiro
já havia marcado, em quantos jogos esteve presente, o desempenho do
nosso time na competição e na temporada, e mais uma série de informações
complementares e significativas. Era capaz de manipular uma quantidade
incrível de fichas e dados graças a sua organização e inteligência
aplicadas na função que desempenhava. Ninguém foi capaz de fazer igual.
“Tem gol!”
“Tem gol onde, Antônio Augusto?”
Depois de admirá-lo no rádio e no
estúdio, tive o privilégio de participar de jornadas nas quais Antônio
Augusto foi plantão esportivo. Era um profissional correto e exigente.
Com toda sua firmeza, porém, nunca deixou de me tratar com um carinho
especial que, tenho certeza, tinha muito a ver com o respeito e
companheirismo que mantinha com meu pai. Os dois sempre foram muito
amigos. Foi meu pai quem me informou, por telefone, que Antônio Augusto
morreu na madrugada deste domingo, aos 77 anos, vítima de um AVC.
Imediatamente, liguei para um dos filhos dele, Antônio Augusto Mayer dos
Santos, que conheci já advogado e especialista em direito eleitoral, em
2010. Desde aquela época, tenho o prazer de publicar alguns de seus
textos neste blog. Antônio Augusto, o filho, mesmo diante do momento
difícil para a família, fez questão de me contar, hoje, algo que me
deixou ainda mais emocionado: disse que o pai dele era meu torcedor,
pois vibrava quando me via na televisão logo que me transferi para São
Paulo. Sei que ele torcia mesmo era pelo Grêmio, paixão declarada
publicamente em 2007. Mas pelo que conheço da maneira sincera como ele
sempre tratou os amigos do peito, guardarei esta história no coração,
assim como guardo na memória aquela voz:
“Tem gol!”
“Tem gol onde, Antônio Augusto?”
À esposa e aos filhos nossa
solidariedade. E o desejo de que, neste Domingo de Páscoa, os gols
marcados acima da média, na rodada do Campeonato Gaúcho, e os outros
tantos assinalados mundo a fora, sejam registrados nas estatísticas como
uma homenagem do futebol a este grande nome do rádio esportivo
brasileiro. Porque onde tem gol, sempre haverá a marca de Antônio
Augusto.